segunda-feira, 24 de julho de 2017

LÍNGUAS AMERÍNDIAS, IDEOGRAMAS & VOCABULÁRIO ETNOMÉDICO

Anotações sobre vocabulário inter-étnico de uso ritual da ayahuasca ou comparação de sistemas etnomédicos (versão preliminar).


Texto adaptado da apresentação selecionada pelo Comitê Científico de AYA2016 com o título "Vocabulário Inter-Étnico de Uso da Ayahuasca" com co-autoria de Ana Sartori Gandra, para apresentação na Segunda Edição  Conferencia Mundial da Ayahuasca, realizada em Rio Branco de 17 a 22 de Outubro de 2016 (www.ayaconference.com) por um de seus autores (Paulo Pedro).

Inicialmente quero propor ou avisar sobre minha intenção de analisar o vocabulário inter-étnico de uso ritual da ayahuasca a partir de uma seleção de vocábulos extraídos da prática clínica da medicina tradicional chinesa e acupuntura, apesar da proposição inicial feita aos organizadores do AYA2016 contemplar apenas as os idiomas de povos ameríndios que utilizam a ayahuasca.

Não pretendo buscar uma justificativa para tal pretensão na expansão da raça amarela (mongolóide) nem elucidar a questão da origem comum para o complexo lingüístico ameríndio e sua “indiscutível” relação com o processo de povoamento da América a partir de grupos ou hordas que procederam da Ásia, através do estreito de Bering.

Parto do princípio do entendimento do uso ritual pode e deve ser compreendido na perspectiva de comparação de sistemas etnomédicos, especialmente da demanda terapêutica clínica destes, sem contudo, negar o uso religioso ou contexto sagrado em que podem ser interpretados, especialmente no Brasil onde a ayahuasca é o fundamento “místico” de pelo menos três grandes  comunidades religiosas. 

Estudando os sistemas de cura e seus modelos assistenciais, ou sistemas de cuidados à saúde (Health - Care System), utilizando uma expressão de Kleinman, precisamos entender a demanda de construção de um modelo que dê conta ou integre os processos psicofisiológicos, comportamentais e simbólicos das crenças e cuidados com a saúde, com os fatores externos (sociais, políticos, econômicos, históricos, epidemiológicos, tecnológicos) de cada realidade local

O citado autor observa que podemos analisar o sistema de cuidados com a saúde (health - care system) como uma estrutura com 3 polos ou arenas:

[1] O setor profissional, que envolve uma formação sistemática de um profissional da medicina científica (ocidental, cosmopolita) ou algumas tradições indígenas de cura (como chinesa, ajurvedica, yunani etc.).

[2]: O setor folk, com pessoas que exercem função terapêutica sem profissionalização algumas vezes classificados pelos etnógrafos como tradicionais ou sagrados (religiosos).

[3]: O setor popular que compreende principalmente o contexto familiar do adoecer e cuidar, a rede social, as atividades comunitárias e o saber popular difundido na comunidade. Observa que tanto nas sociedades ocidentais como nas não ocidentais 70 a 90 % dos distúrbios da saúde (sickness) são resolvidos nesse domínio.

A utilização das ferramentas conceituais antropologia da saúde nos permitem, por exemplo, identificar na prática da acupuntura e medicina tradicional chinesa um modelo, contextualizável no conjunto multi-étnico da Ásia ou das Medicinas Antigas, que vem se difundindo como uma prática de medicina alternativa ou complementar por todo o planeta, e que está “integrado” ou em vias de integração à medicina cosmopolita. 

Um mérito conquistado pela revolução cultural chinesa que propôs a criação dos “médicos de pés descalços” que ainda hoje se constitui como modelo de possível integração de sistemas etnomédicos aos sistemas de cuidados essenciais e saúde pública.

Por recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) os Estados nacionais devem integrar seus sistemas de saúde oficiais às medicinas tradicionais. Proposição esta que se depara diante do desafio de identificar elementos comuns ou padrões nas diversas medicinas tradicionais e práticas de auto-atenção.

Sabe-se, porém que generalizações sobre as práticas médicas ameríndias ou de qualquer outra região do planeta, apesar de necessárias na perspectiva de estudos teóricos, são perigosas porque, existe certa especificidade em cada sistema de crenças mítico-religioso e/ou prática cultural destinada à recuperação da saúde que podem ficar ocultas no exercício da comparação (etnocêntrica).

Por outro lado considerando-se a equivalência dos sistemas etnomédicos, sua comparação nos facilita compreender as especificidades que adquirem em função da adaptação à áreas ecológicas, grupos linguísticos e níveis de tecnologia resultantes do processo histórico de acúmulo de conhecimento. Assim procedendo as diversas conquistas de cada povo ou etnia podem ser integrados a grupos de práticas semelhantes, tornado-se mais compreensíveis as razões de sua permanência ou extinção. Lyons e Petrucelli associam o valor (eficácia) das técnicas ou medicamentos à sua permanência na(s) cultura(s).

A comparação, como se fossem atalhos indicadores de linhas de pesquisa, nos permite ampliar o conhecimento, organizando este, sob a forma de modelos etiológicos e terapêuticos, tal como definidos por Laplantine, que são fundamentados em teorias de base empírica e científica, ou etnomédica - mítico-religiosa.

medicinas tradicionais e sistemas de símbolos

O que antes se apresentava como um conhecimento aparentemente desordenado e não lógico (na ótica de alguns), agora é cada vez mais reconhecido, especialmente quanto ao uso de plantas, uso de técnicas de êxtase, ou mesmo reconhecido por se constituir como um conjunto de práticas que permitem compreender e curar doenças específicas, conhecer e controlar estados de consciência, controlar emoções ou modificar sentimentos de forma equivalente à psicanálise e nossas práticas de saúde mental.

A presente proposição também não pretende elucidar as questões da importância fundamental do idioma, na perspectiva da gramática histórico-comparativa ou constituir-se como uma norma de interpretação psicológica dos símbolos. Descartamos especialmente a perspectiva de análises numa ótica evolucionista dos níveis de tecnologia ou civilização.

Apresentamos aqui o esboço (um anteprojeto) de realizar um dicionário, um vocabulário inter-étnico de grupos de conceitos ou palavras que podem ser definidas como representantes do (1) setor profissional e/ou folk (medicinas tradicionais) e (2) setor popular (medicina doméstica de ampla difusão na comunidade). 

Para superar as barreiras linguísticas, e da propria concepção de “medicina”, selecionamos ideogramas e vocábulos: (1) da nomenclatura das regiões anatômicas do corpo, (2) da designação dos sinais e sintomas de grupos patológicos, bem definidos na Classificação Internacional das Doenças (CID) e (3) referências a psicologia de estados de consciência, emoções e afetos. Talvez seja possível identificar regularidades e concepções universais entre tais conjuntos de elementos ou traços culturais.

Sabe-se que estes sistemas profissional e popular coexistem e se intercomunicam. Possuem níveis de organização diferenciada pelo processo histórico, Em nossa pretensão elegemos os ideogramas e conceitos a medicina tradicional chinesa como representante do (1) setor profissional no sentido da citada proposição de Kleinman, (talvez o sistema etnomédico com melhor integração à medicina cosmopolita ocidental) e sobrevivências ou fragmentos da medicina inca representada por vocábulos quéchuas e relatos histórico etnográficos de algumas práticas a exemplo dos kallawayas e/ou da língua Quechua (considerando o status de civilização dos povos conquistados e destruídos) e escolhemos como representantes suposto (2) saber médico popular, o conhecimento de alguns grupos indígenas selecionados por pertencer a área cultural delimitada pelo uso ritual da ayahuasca ou expressos na língua geral basílica que já foi utilizada no Brasil. 

alguns problemas da proposição

Consideramos o Nheengatu um artifício facilitador (dado à sua grande difusão no Brasil) ao acesso a idiomas das diversas tribos, reconhecendo sua limitação à ser considerado como um "saber popular" difundido entre todos integrantes da tribo.

O idioma (língua) segundo Matoso Camara Jr. apresenta-se como um microcosmo da cultura. Tudo que a cultura possui se expressa através da língua; e esta é em si mesma um produto cultural. Sem resolver tal paradoxo não há de se ter uma perfeita compreensão da cultura chinesa, inca ou ameríndia com suas tradições. Há que se buscar uma cooperação entre essas ciências. Como disse o mestre Lévi-Strauss, se houvesse uma correspondência absoluta entre a língua e a cultura, os antropólogos e lingüístas já teriam se dado conta disso.

A análise está em fase inicial, contudo, em tese já se observa uma maior número de vocábulos nos idiomas referentes aos sistemas etnomédicos mais “complexos” tipo profissional e/ou folk, segundo Kleinman, nos vocabulários correspondentes ao sistema etnomédico chinês e inca (aqui representado pelo idioma quéchua), sobretudo quanto à nomenclatura anatômica e semiológica (clínica). Uma extensão de vocabulário quiçá semelhante ao sistema médico cosmopolita ocidental. 

o raciocínio clínico

Além de vocábulos referentes à anatomia e manifestações de patologias expressas por sinais clínicos, como previsto, a nossa maior dificuldade são descrições de sintomas, e explicações de suas possíveis causas. A racionalidade médica, na terminologia proposta por Luz (1988), é uma concepção essencialmente útil para quem pretende comparar elementos (o que é uma exigência do método estrutural). Segundo essa autora, uma racionalidade médica ou sistema lógico e teoricamente estruturado, tem como condição necessária e suficiente para ser considerada como tal, a presença dos seguintes elementos:

Uma morfologia (concepção anatômica);
Uma dinâmica vital ("fisiologia");
Um sistema de diagnósticos;
Um sistema de intervenções terapêuticas;
Uma doutrina médica (cosmologia).


Apesar de útil para entendimento do raciocínio clínico, ou seja uma delimitação de  método de descrição das patologias e seu tratamento,  a classificação ou medida da complexidade dos sistemas etnomédicos é também limitada. Os sistemas etnomédicos em questão, pelo visto, não podem ser diferenciados apenas pela profissionalização de seus praticantes, pela presença de textos escritos ou relações formalmente estabelecidas de mestre - discípulo. Além do que não se devem ignorar as contribuições de Lévi-Strauss na demonstração de que não existe superioridade nas estruturas lógico-cognitivas (operações mentais) da ciência ocidental e sistemas míticos, um ajustado à percepção e outro à intuição sensível.

Por outro lado como afirmado anteriormente a eficácia das técnicas ou medicamentos é a sua permanência na(s) cultura(s). A ampla difusão da acupuntura e mais recentemente de rituais da ayahuasca, por este critério já revelariam seu valor terapêutico, entretanto não se deve ignorar a influência das políticas de saúde e características sócio-econômicas do contexto de sua utilização difusão.

É, também, um contra-senso querer avaliar o saldo positivo ou erigir um inventário de traços separados de técnicas terapêuticas e descrições de patologias e sistemas de classificação de plantas e animais sem considerar a origem e função dessas opções. No caso das populações indígenas (e/ou escravizadas) dizimadas pelas armas, destruição de sua cultura, incluindo o seu próprio sistema de cuidados de saúde e meio ambiente original, muito do conhecimento foi perdido. Como se sabe os modelos de assistência à saúde e a organização do estado face aos problemas de saúde pública acompanharam de certa forma o desenvolvimento do capitalismo e a formação do estado moderno.

Contudo há esperanças de construção de uma forma de aperfeiçoar a intercomunicação de entre as diferentes concepções a partir do exercício da clínica médica nas aldeias indígenas sobreviventes ou levando a complexa e cara medicina cosmopolita ocidental a populações carentes cujo principal recurso é o saber popular e as escassas plantes medicinais dos ecossistemas degradados pela urbanização intensa. 

As iniciativas como a do governo revolucionário chinês da criação dos médicos de pés descalços, ainda podem ser tomados como modelo para os programas de saúde da família com formação de agentes de saúde indígena e quilombolas. Outro exemplo é a patrimonialização do uso ritual da ayahuasca e /ou a formação de sociedades como a Unión de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonia Colombiana – UMIYAC. Reafirmando a iniciativa ou carisma dos Carai ou grandes Pajés, que como Xamãs possuíam livre acesso a tribos e nações, assim intercambiando, sobretudo conhecimento sobre novas formas de utilização da flora e fauna sobretudo em técnicas etno-médicas.

para concluir

Não temos certezas (falo agora por ambos autores da proposição inicial ao Comitê Científico de AYA2016) sobre a viabilidade da tarefa de construir um vocabulário realmente comparável em termos de concepção, acredito que apenas viável para comunicação de indivíduos bilíngues numa situação clínica.  Questões geo-político territoriais, interesses de classe e limitações de recursos para assistência médicas às populações indígenas se sobrepõeem. 

Quanto a validade intelectual e teórica desta proposição, considere este texto e blog como teste e consideramos um primeiro passo dado a sua aprovação em congresso internacional que precedeu a realização da Primeira Conferência Indígena da Ayahuasca realizada em dezembro de 2017, e que muitas outras venham lhe suceder, trazendo melhorias e respeito à sabedoria ancestral.

Referências 


LÉXICO: Fontes (principais referências)

Ideogramas
ALLETON, Viviane. Escrita chinesa. RGS, L&PM, 2010

CHU, Yu-Kuang. Interação entre linguagem e pensamento chinês. in: Campos, Haroldo. Ideograma, lógica, poesia, linguagem. SP, Cultrix - Ed USP, 1977

GUERRA, Joaquim A. de Jesus; TJYNTOQ, Kvao. Dicionário Chinês – Portugês de análise semântica universal. Macau: Pond’s Enterprise Co., 1981

TUNG, Wendy,. Easy chinese, phrasobook & dictionary Illinois: Passaport Books, 1993
Chinese - English TCM (Traditional Chinese Medicine) dictionary http://www.hantrainerpro.com/tcm/

Chinese Characters, Genealogy and dictionary Yale Press http://zhongwen.com/

Medicina Tradicional Chinesa

CHINA, Ministério da Saúde. Fundamentos essenciais da acupuntura chinesa (Livro dos Quatro Institutos) – Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Beijing; Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Shanghai; Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Nanjig; Academia de Medicina Tradicional Chinesa. SP, Ed. Ícone, 1995

CORRAL, José Luis Padilla. Fundamentos da medicina tradicional oriental: Curso de acupuntura. SP, Roca, 2006

TORRES, Gabriela. Descifrando la medicina ancestral asiática. BBC Mundo Salud Martes, 19 de marzo de 2013 http://www.bbc.co.uk

GWEI-DJEN LU; NEEDHAM, Joseph. Celestial Lancets: A History and Rationale of Acupuncture and Moxa. UK, Cambridge U. Press, 1980.

Ayahuasca, medicina inca, idiomas indígenas

A identificação da área cultural de uso da ayahuasca foi realizada a partir da revisão de literatura, tendo com base o Handbook of South American Indians, a proposição do portal ayahuasca.com, mapas de idiomas, a revisão de Dominique Buchillet (2007) de 162 anos de publicações sobre saúde indígena a Dissertação de Mestrado de Pedro Luz (1996)

Dicionários:

ABREU, Capistrano. Rã-txa hu-ni-ku-i. Gramática, textos e vocabulário caxinauás. RJ: Sociedade Capistrano de Abreu, 1941

GIACONE, Antonio (Pe) Gramática, dicionários e fraseologia da língua dahceié ou tucano Belém: Universidade do Pará, 1965

Quéchua– Castellano
Yachakuqkunapa Simi Qullqa - Qusqu Qullaw / Qhichwa Simipi.


PERU: Ministério de Educação Biblioteca: Educación Primaria ISBN: 9972-881-32-6

LARA, Jesus Dicionário Castellano Queshwa / Queshwa Castellano La Paz, Cochabamba: Amigos Del Libro, 1978

Tupi Língua Geral

Vocabulário na Língua Brasílica São Paulo: Departamento de Cultura, 1938

Manuscrito Português-Tupí do seculo XVII, coordenado e prefaciado por Plinio Ayrosa http://www.etnolinguistica.org/biblio:anonimo-1938-vocabulario

Barbosa, Pe. A. Lemos. Pequeno vocabulário Português-Tupi Rio de Janeiro: Livraria São José, 1970 http://www.etnolinguistica.org/biblio:barbosa-1970-pequeno

CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo, historia y etnografía del cuerpo en los pueblos Guaraní. Asunción :Tiempo de Historia, Fondec, 2009 - Google Books


TEXTO: (Revisão, referências citadas)

COSTA Paulo Pedro P. R. GANDRA Ana Sartori.  Vocabulário inter-étnico de uso ayahuasca. Conferência Mundial da Ayahuasca - AYA2016,   Rio Branco, Brasil 17-22 Outubro de 2016. http://www.ayaconference.com/index.php/cienciass/?lang=pt-br acesso 22 de outubro de 2016

COSTA Paulo Pedro P. R. Anotações da Comunicação : Racionalidades Médicas e Terapêuticas Alternativas de LUZ, Madel T. no I Encontro Nacional de Antropologia Médica Ba - 1993

KLEINMAN, Arthur Concepts and a Model for the comparison of Medical Systems as
Cultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986

LAPLANTINE, F. Antropologia da Doença. SP, Martins Fontes, 1991

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia (1988). SP: Editora Brasiliense, 2007

LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. p.333 in: LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural dois. RJ: Tempo Brasileiro, 1993

LÉVI-STRAUSS, Claude. Pensamento Selvagem SP, Cia Ed Nacional, 1976

LÉVI-STRAUSS, Claude. Língüística e antropologia. in: Levi-Strauss, C. Antropologia estrutural. SP, Cosac Naify, 2008

LUZ, Madel T. Natural, Racional, Social ; Razão Médica e Racionalidade Científica Moderna, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1988

LYONS, Albert S.; PETRUCELLI, Joseph. História da medicina.. SP, Manole, 1997

MATOSO CAMARA Jr., J. Introdução à línguas indígenas brasileiras. RJ, Museu Nacional, 1965

OMS. Organização Mundial da Saúde. Estratégias de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Genebra: Organização Mundial da Saúde. 2002. 

SALGADO, Ricardo Seiça. A Performance da Etnografia como Método da Antropologia ANTROPOlógicas 2015, nº 13 http://revistas.rcaap.pt/antropologicas/article/view/1640/5109  acesso 13/05/2016

SCOPEL, Daniel; DIAS-SCOPEL, Raquel Paiva; WIIK, Flávio Braune. Cosmologia e Intermedicalidade: o campo religioso e a autoatenção às enfermidades entre os índios Munduruku do Amazonas, Brasil.. Tempus Actas de Saúde Coletiva, [S.l.], v. 6, n. 1, mar. 2012. ISSN 19828829. Disponível em:
 <http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1141/1046>. Acesso em: 16 abr. 2016.

ANEXO 

Só para ter uma ideia da dimensão desta tarefa iniciamos a seleção de alguns vocábulos comuns à pratica da acupuntura e de alguns rituais de uso da ayahuasca já descritos na literatura (ver anexo) a saber :

Espírito (energia espiritual):  , shén  hún   pó   zhì 
Consciência:  意识 Yi shí  (意識) /  Sentir: Jué , () ;
Cérebro: 大腦 dà nǎo ; 
Sono 睡觉 jué jiào ; 
Sonho  mèng 

O que se pode antecipar diante da complexidade da tarefa, é confirmar o que me respondeu Madel Luz durante um congresso de antropologia médica na Bahia sobre as múltiplas possibilidades de interpretação do efeito da acupuntura, com diversas teorias antropológicas e/ou clínicas (endorfinas, reflexos do segmentos medulares ou dermátomos, teoria das comportas, etc.): 

- “Assim como nos idiomas podemos ser bilíngües sem construir um novo idioma (tipo portunhol), correndo o risco de perder eficiência da comunicação, apenas podemos entender e lidar os sistemas etnomédicos preservando a identidade e coerência de cada um” 

Quanto a natureza indefinida do aspecto religioso e clínico ou médico do uso da ayahuasca, observe-se que um entendimento ou integração dos aspecto religioso com o terapêutico, deverá ser construído em um novo paradigma ou modelo de produção científica como muitos autores já preconizaram. Entre as proposições mais coerentes e úteis ao entendimento dos sistemas religiosos-etnomédicos está a reconstrução da utilização da concepção de energia vital (abandonada com a descoberta da possibilidade de síntese de compostos orgânicos e descoberta dos microrganismos patogênicos)  e ou reconhecimento de Deus e de Espírito, a construção de uma ciência não maerialista, inclusive como propõem psicanalistas jungnianos e psicólogos transpessoais.


Algumas anotações sobre os vocábulos selecionados


 shén spirit, deity; divinity; infinite; numen; omniscience; clever; espírito, divindade; infinito; nume; onisciência; (adj) inteligente;

精神, Jīngshén spirit 心神 , Xīnshén mind

Natureza do Shen na medicina chinesa

O Shen é uma das substâncias vitais do corpo. É o tipo mais sutil e não-material de Qi. A maioria dos autores traduz a palavra Shen como "espírito"; Eu prefiro traduzir o Shen do Coração como "Mente" e não como "Espírito".

Traduzo como "Espírito" o complexo de todos os cinco aspectos mental-espirituais de um ser humano, ou seja:  
hún; shén; yi; pó; zhì

"Shen" indica a atividade de pensamento, consciência, auto - percepção, vida emocional, memória e vontade, todos os quais dependem do coração. Eu traduzo isso como "mente" quando se refere ao Shen do Coração.

"Shen" portanto indica também o complexo de todos os cinco aspectos mentais e espirituais de um ser humano, ou seja, o próprio Shen, o Hun, o Po, o Yi e o Zhi e é o que eu traduzo como "Espírito".

MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016
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Quechua

Nuna - alma, espíritu Nunachay - intelectualizar, espiritualizar Yuyana - mente
nuna: (n) (1) The principle that everything is spirit. One of the major organizing principles. (2) The spirit; the essential aspect of the individual. Soul, an individual's (or object's or group's) inalterable essence, underlying all levels of body, mind, and spirit.
See, saiwa, munay, chekak, yuya, ch'ulla, kallari, kawsay.
nuna illariy: (n) Soul awakening, or the first ray of dawn of the soul; a term used to describe shamanic journey, a conscious out-of-body experience along a ray of light or straight path; the flight of the soul along a ray of dawning.
http://www.incaglossary.org/nextra.html

Línguas indígenas ameríndias

-> Tupi (Língua Geral) Mbaé - espírito variedade: auassay, guajupiá, tupixuara
-> Tucano (Dahceié) Héripona - coração, alma, consciência *
* p/ SILVA, Acionilio, (A civilização indígena do Uapés Livraria Salesiano, 1977) Alma: héri-porã no Uapés: héri-põna e também bahusé - sombra coisa que aparece wãx-ti - incorpóreo dos defuntos

-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma
1412. estes nós dormimos, deitamo-nos, estes nós sonhamos. 1413. estes nós sonhamos, muito longe nós passeamos, estes nós sonhamos 1414. estes nós sonhamos, dormimos deitados, estes nós sonhamos dormimos deitados, sonhamos, nossa alma muito longe passeia, nossa alma. 1415. nossa alma, nos dormimos deitados, nossa alma nosso corpo nos largou, sahiu. 1416. nossa alma, nos dormimos deitados, nossa alma passeia, anda. 1417. nossa alma passeia, nossas gentes morreram, nos suas almas com (em sua casa) passeamos.
1412. na nó namairã, nwwa txai nó nimiç'kiaki, na nõ narnairã. 1413. na nó namáimiç'dã, uxaraka,na nó namamiç'dã. 1414. õxaraka, namairã, nuku iôxinoé mawa nãta nímiç'kiaki nuku iôxínã. 1415. nuku iôxínã, nu ôxa, daka, nuku iôxí nuku, iura, nuku pax' - kabãini, 1416. nuku iôxi, nõ oxa dakakõe; nuku iuxinã bai, nimiç'kiaki. 1417. nuku iôxi bairã, nuku nabô mawayama, nu ratõ iôxí ki bai-(? ) miç'kiaki .
ABREU, Capistrano. Rã-txa hu-ni-ku-i. Gramática, textos e vocabulário caxinauás. RJ: Sociedade Capistrano de Abreu, 1941


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hún 
fetch
busca
cloud soul
alma etérea – (Maciocia)

p/ Robert Henry Mathews (1877–1970) (missionário, sinólogo): Inteligência, faculdade espirituais (clareza)
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Quéchua
P’iqënã – inteligência
Yuiana – imaginacion
Jamút’ay - entendimiento

* P'eqaña (Cochabamba)
Apamuy, apaimuy - to fetch, buscar
(Cochabamba, Cozco)

* Diccionário Quechua - Runasimi.org
http://www.runasimi.org

-> Tupi (Língua Geral)
Ara, tecocu(gu)aba - entendimento

-> Tucano (Dahceié)
Tiomahcígue – inteligente
Tiocé – entender

-> Caxinauá (Hunikui)
Unã, unãnöpa – inteligente
Unãi, nîkai – entender


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soul; spirit; vigor
alma; espírito; vigor
white - soul alma - branca

Segundo Maciocia:
Os "cinco espíritos", em chinês, chamados de "Cinco Shen" [
五神], são os Shen, Hun, Po, Yi e Zhi que residem respectivamente no Coração, Fígado, Pulmões, Baço e Rins.
MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016
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Quéchua
Nuna - alma, espíritu Kallpasapa - vigoroso Kallpáchay – vigorizar
Apu - espíritu o divinidad superior *
* Imbabura, Cochabamba, Ayacucho Diccionário Quechua - Runasimi.org http://www.runasimi.org/

Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Mbaé – espírito Anga – alma; (separada) angüera
Ata, atangatu, pyatã - vigoroso
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ?
-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma


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zhì
ideal, manter em mente; marca; registros; vontade ideal; keep in mind; mark; records; will

Apesar de outros ideogramas designarem memória a exemplo de jì yì
记忆 (記憶 / memoria; recordar, fotografia) a mémoria descrita nos antigos textos correponde ao zhi associado ou presente no meridiano dos rins.

Segundo Maciocia:
“A memória tem dois significados diferentes. A memória explícita consiste em lembrar fatos e eventos passados. Isso depende do Shen e, portanto, do Coração, embora também no Baço (Yi) e nos Rins (Zhi). A memória implícita consiste na memória muscular, ou seja, lembrando como andar de bicicleta, dançar ou tricotar, etc.”

Memory has two different meanings. Explicit memory consists in remembering facts and past events. This depends on the Shen and therefore the Heart, although also on the Spleen (Yi) and Kidneys (Zhi). Implicit memory consists in muscle memory, i.e. remembering how to ride a bicycle, to dance or to knit, etc.

Materia / energia
Uma concepção de metabolismo - Fang Yhizi (1611-1617) sábio da dinastia Qing em sua enciclopédia cientifica afirmava que a forma interior (exterior) dos seres não muda apesar de sofrerem profundas transformações na sua substancia (zhi). A matéria segundo ele apesar de aparentar ser inerte é na realidade um turbilhão de forças no mundo onde só existe o qi (matéria/ energia). (Gernet)

MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016

GERNET, Jean. O mundo chinês. (2V). V 2; p.46. Rio de Janeiro, Lisboa: Cosmos, 1974

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, (意識)Yi shí consciousness, awareness, conscious, realization, notice; have knowledge, be conscious of, be aware of, understand, grasp, awake, realize, comprehend
consciência, consciência, consciente, realização, aviso prévio; ter conhecimento, estar consciente, estar ciente, compreender, entender, acordado, perceber, compreender

昏厥 hūn jué faint, asphyxia, syncope; desmaio, asfixia, síncope;
暈倒 yūn dǎo faint, fainting fit fraqueza, desmaio
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Quéchua vocábulo não disponível ?
Rijsiy – conocer Yáchay – conocimento Rijch’ áriy, rich’ áriy – despertar Unánchay – entender Yuyáriy – acordar-se (recordar)
Sunqöchínkay, sunköp’itiy, yuyap’itiy - desmayo
outras fontes *
Ch'uyasunqu (s.). Corazón de conciencia limpia
Pesuisada em todos los dialectos Conciencia s. (Cozco, ) allin yuyay (Cochabamba) ch'uwasonqo corazón de conciencia limpia (Cochabamba) ch'uyasonqo corazón de conciencia limpia chuwasunqu corazón de conciencia limpia chuyasunqu corazón de conciencia limpia (Cochabamba, Cozco, ) nuna

* Diccionario Quechua - Aymara al español http://www.katari.org/diccionario/diccionario.php
Diccionário Quechua - Runasimi.org http://www.runasimi.org/

Línguas indígenas
-> Tupi (Língua Geral) vocábulo não disponível ? Cu(gu)aba, ecocu(g)uaba(s) – conhecimento Paca – despertar (intransitivo) sair do sono, acordar Mombaca – despertar (transitivo) tirar do sono, estimular
Mano, manoaíba, eõara (s) Xe - desmaiar Moessapytumbyca – fazer desmaiar Eõ (t) eôara - desmaio
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ? Mahcicé – conhecer Uacancé – despertar-se
Beretián-uatiancé, dohque-siáqueacé - desmaiar
-> Caxinauá (Hunikui) vocábulo não disponível ?
Õiki taöai – conhecer Tôi – conceber Unêi – compreender Böç toei, böç’tõewãi – acordar
Xinanöi – desmaiar


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/大腦  dà nǎo brain, cerebrum

Naozi

脑子 nǎo zi brains mind

Radical: "
" very large, lot, great man, important
tóu nǎo brain mind
tóu
caput; conk; head; knowledge-box; noddle; offal; twopenny
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Quechua
Ñutqö, ñusqön, ñujtun - cérebro Ñutqöjillikan - meninge Yuyana - mente
Cerebro, seso - Ñutqhun
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Uide - Meolo - Celebro * Pyá - mente Pyâ coração, fígado (prefixo de varias palavras associadas à sentimento a ex: Pyâ catu rupi - affabilidade, de boa mente / Pyâ meoán - malícia
* Ayrosa, P. 1938 - vocabulario lingua basilica
-> Tucano (Dahceié) Caí - miolo Uahcuncé - mente
-> Caxinauá (Hunikui) Mapô – cérebro

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, () jué jiào
Sleep; become aware; feel; wake
Dormir; acordar; conhecimento; sentir
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Quera - dormir Queraiba – dormira mal (agitado) Monguera – fazer dormir Xe - sono Opessyia - estar com sono
-> Tucano (Dahceié) Canicé – dormir Uehá - sono
-> Caxinauá (Hunikui) Ôxa - dormir Xãtôa – dormente (parte do corpo)


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mèng
dream, sonho
, (夢見) mèng jiàn
vision; dream, see in a dream visão; sonho, ver no sonho
(惡夢) é mèng incubus, nightmare incubus, pesadelo
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir ? Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Possaussuba – sonho Possaussuba [esse] sonhar
-> Tucano (Dahceié) Sonhar – queencé Sonho - queenó
-> Caxinauá (Hunikui) Namái – sonhar


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記憶, jì yì
memory; remember, photograph memória, recordação, fotografia
- i remember
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Quechua
Sunqöjáp'iy, yuyay, p'iqëña - memória Umáyuj, yuyaisapa - memorioso
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Maenduassaba - memória Momamenduara - lembrar
-> Tucano (Dahceié) Mahcínomena nicé ou uahcuncé - memória Uahcuncé - recordar
-> Caxinauá (Hunikui) Tapiç' kui – recordar


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 /
lú crânio, skull
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Quechua
Ayauma, t'ujruru Calavera, caveira, skull
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Acangüera - caveira (calvaria) Cabeça descarnada ou esqueleto da cabeça
-> Tucano (Dahceié) Dihpoá-boa-uehticá - caveira
-> Caxinauá (Hunikui) Bötõkô xau – caveira