sábado, 7 de agosto de 2021

Ayahuasca e a medicina Inca

 


Os médicos historiadores Lyons e Petrucelli [1997] descrevem as culturas pré-colombianas como sistemas de intrincadas misturas de religião, magia e empirismo semelhantes ao das sociedades arcaicas. A medicina Inca conhecida por suas sobrevivências e relatos de cronistas, reuniu pelo menos 1.400 espécies de vegetais (Pamo-Reyna), técnicas cirúrgicas e especializações médicas praticadas por os hampi-camayok e oquetlupcuc ou sirac (donos de medicamentos e cirurgiões) Thorwald, [1990]

O império socialista dos incas que se constituiu entre os finais do século XII e meados do século XV [Baudin] reúne uma série de conquista tecnológicas e de organização social que ainda não foram bem compreendidas nem avaliadas, graças a violência do processos colonial, nos limitamos portanto à análise de algumas de suas contribuições à medicina.

Os incas fizeram muitas descobertas farmacológicas. Usavam a "quina" (Cinchona L.) no tratamento da febre, posteriormente utilizada, com grande sucesso, contra a malária importada com a colonização [Franca et al. 2008]. As folhas da coca eram usadas de modo geral como analgésicos, e para diminuir a fome, embora os mensageiros Chasqui as usassem para obter energia extra. Outra terapia comum e eficiente era o banho de ferimentos com uma cocção de casca de pimenteiras ainda morna.

Entre as plantas utilizadas na medicina dos povos deste império está a ayahuasca, talvez sua mais importante contribuição, descrita na farmacopeia Callawaya como ayawasco (ayaasco, caapi, yague) referindo-se à Banisteria caapi [Poblete].

Atualmente se sabe que o nome ayahuasca pode designar tanto a liana Banisteriopsis spp. quanto a bebida produzida a partir da combinação da videira Banisteriopsis caapi com várias plantas, em particular a Psychotria viridis e a Diplopterys cabrerana, além um conjunto de outras plantas adicionáveis (admixture plants) em rituais ou condições "médicas" especiais.

Os métodos para preparo, portanto, diferem muito em relação à ocasião ou a cultura local. Segundo Strassman, [2010], e outros autores [Beyer ] [Lawler] a ayahuasca é uma das várias infusões ou decocções psicoativas preparada a partir de Banisteriopsis spp. As bebidas resultantes são farmacologicamente complexas e utilizadas com propósitos xamânicos, etnomédicos e religiosos. Etnobiólogos occidentais já registraram uma variedade de 200 a 300 plantas diferentes utilizadas no seu preparo. É uma questão aberta se a hoasca deve ser considerada como uma infusão medicinal xamânica, ou que deve ser considerada como uma medicina tradicional ao lado, por exemplo, à medicina ayurvédica, chinesa ou tibetana.

Entre as traduções para o vocábulo quechua Ayahuasca, estão "cipó do homem morto" (aya significando "espírito, morto ou ancestral" e huasca significa "vinha ou corda"), "liana das almas", "cipó dos espíritos", "cipó da pequena morte", "vinho da alma".

Essa bebida é também conhecida por dezenas de outros nomes como por exemplo: caapi, yagé (Tukano, Brasana); kapi (Guahibo); kahi (Yekuanas); kahi ide (Makunas); kamarampi (Ashaninka); nixi honi xuma (Amahuaca); mihi (Cubeo); nixi pae (Kaxinaua); nepê/nepi (Colorado); mahí (Cubeo); Ondi (Sharanawa); pildé (Emberá), natema (Jivaro), pindé/pinde (Kaiapa); dápa/dapa (Noanamá); uko (Zaparos) [Bolsanelo] [Luz] Os nomes além do significado literal referem-se a elementos de significação cultural, a exemplo de: “cipó da embriaguez”, “vômito”, “planta mestre", "planta professora", entre outros.

A ayahuasca (com este nome) era utilizada pelos incas (povos que adotaram o idioma quéchua) ou, melhor, pelo complexo histórico cultural denominado Inca (Império Inca). Segundo Darcy Ribeiro, [1977] apesar das diferenciações linguísticas e das variantes culturais e nacionais, o bloco inteiro deve ser encarado como uma só macro-etnia: a neo-incaica. Numa avaliação que fez em 1960, publicada no livro "As Américas e a civilização", encontrou-se uma população de 15,5 milhões de habitantes, na área montanhosa de 3 000 quilômetros de extensão que vai do Norte do Chile ao Sul da Colômbia, cobrindo os atuais territórios da Bolívia, Peru e Equador. Destes, 7,5 milhões são considerados indígenas, 3 milhões, brancos por auto definição e 5 milhões de mestiços.

Os primeiros relatos do uso indígena de ayahuasca, no Ocidente, são dos missionários jesuítas Pablo Maroni em 1737 e Franz Xaver Veigl em 1768, que descreveram um cipó (liana) conhecido como ayahuasca, "usado para adivinhação, mistificação e enfeitiçamento", enquanto estiveram no Rio Napo.[De Mori, 2011]

Na América do Sul ayahuasca é utilizada tradicionalmente em países como Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Brasil e ainda por pelo menos 72 diferentes tribos indígenas da Amazônia. [Luna] [Sachahambi], o que confirma sua importância. Há estimativas do início da sua utilização e dispersão entre as tribos ameríndias entre 1500 e 2000 a.C., estando, entre os principais estudos dessa datação, os realizados pelo etnógrafo equatoriano Plutarco Naranjo, que sumariou a pouca informação disponível sobre a pré-história da ayahuasca a partir de evidências arqueológicas abundantes em vasos de cerâmica, estatuetas antropomórficas e outros artefatos. [Naranjo, 1986] Outras estimativas datam o uso por populações indígenas de bebidas com estas plantas há aproximadamente cinco mil anos, [Furst; Narby] [Llamazares; Martínez] oito mil anos [Dobkin de Rios] ou pelo menos 3.500 anos. [McKenna ] [ Anwar]

Outra prática médica da civilização inca que ainda intrigam os pesquisadores está o procedimento cirúrgico conhecido como trepanação realizado com mais freqüência em homens adultos, (provavelmente para tratar os ferimentos sofridos durante o combate). Ainda hoje, procedimento similar é realizado para aliviar a pressão causada pelo acúmulo de fluidos após trauma craniano grave. Há evidências que as técnicas cirúrgicas foram padronizadas e aperfeiçoadas ao longo do tempo, face ao fato de que os crânios mais antigos não mostrarem nenhum sinal da consolidação óssea, após a operação, sugerindo que o procedimento foi provavelmente fatal.

Ao contrário dos encontrados mais recentemente, cujas taxas de sobrevivência se aproximaram de 90%, com níveis de infecção muito baixos, segundo os pesquisadores. [Norris] [Parr]

Poderíamos ainda listar diversas plantas com propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, psicoativas, além de rituais com resultados promissores na psiquiatria (psicoclínica) a exemplo dos identificados pelo Centro Takiwasi.  Tudo indica portanto que a neurociência tem origem diversa à descoberta ocidental hipocrática das funções do cérebro.

Referências

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Texto originalmente publicado e excluído da wikipedia pt no verbete Império inca
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Imp%C3%A9rio_Inca&oldid=47434386#cite_ref-19

excertos, como contribuições ao verbete Ayahuasca CostaPPPR https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ayahuasca&action=history

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Inca Skull

A trepanation was performed on this Inca skull and a gold plate was used as an implant that shows a clear bone reconstruction and osseointegration, that is, the patient survived.

With more than 500 years old, it is located in the Gold Museum of Peru and Arms of the World, Lima.

facebook: Arkeoloji ve sanat
https://www.facebook.com/arkeovesanat/photos/a.237131083627726/784079698932859/

https://br.123rf.com/photo_140787106_authentic-inca-mummies-with-indigenous-ornaments-skeleton-skulls-and-human-remains-found-archaeologi.html

https://www.reddit.com/r/interestingasfuck/comments/mz78ed/a_trepanation_was_performed_on_this_inca_skull/

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Texto originalmente publicado e excluído da wikipedia pt no verbete Império inca

https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Imp%C3%A9rio_Inca&oldid=47434386#cite_ref-19

e exertos de contribuições ao verbete Ayahuasca CostaPPPR https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ayahuasca&action=history


segunda-feira, 24 de julho de 2017

LÍNGUAS AMERÍNDIAS, IDEOGRAMAS & VOCABULÁRIO ETNOMÉDICO

Anotações sobre vocabulário inter-étnico de uso ritual da ayahuasca ou comparação de sistemas etnomédicos (versão preliminar).


Texto adaptado da apresentação selecionada pelo Comitê Científico de AYA2016 com o título "Vocabulário Inter-Étnico de Uso da Ayahuasca" com co-autoria de Ana Sartori Gandra, para apresentação na Segunda Edição  Conferencia Mundial da Ayahuasca, realizada em Rio Branco de 17 a 22 de Outubro de 2016 (www.ayaconference.com) por um de seus autores (Paulo Pedro).

Inicialmente quero propor ou avisar sobre minha intenção de analisar o vocabulário inter-étnico de uso ritual da ayahuasca a partir de uma seleção de vocábulos extraídos da prática clínica da medicina tradicional chinesa e acupuntura, apesar da proposição inicial feita aos organizadores do AYA2016 contemplar apenas as os idiomas de povos ameríndios que utilizam a ayahuasca.

Não pretendo buscar uma justificativa para tal pretensão na expansão da raça amarela (mongolóide) nem elucidar a questão da origem comum para o complexo lingüístico ameríndio e sua “indiscutível” relação com o processo de povoamento da América a partir de grupos ou hordas que procederam da Ásia, através do estreito de Bering.

Parto do princípio do entendimento do uso ritual pode e deve ser compreendido na perspectiva de comparação de sistemas etnomédicos, especialmente da demanda terapêutica clínica destes, sem contudo, negar o uso religioso ou contexto sagrado em que podem ser interpretados, especialmente no Brasil onde a ayahuasca é o fundamento “místico” de pelo menos três grandes  comunidades religiosas. 

Estudando os sistemas de cura e seus modelos assistenciais, ou sistemas de cuidados à saúde (Health - Care System), utilizando uma expressão de Kleinman, precisamos entender a demanda de construção de um modelo que dê conta ou integre os processos psicofisiológicos, comportamentais e simbólicos das crenças e cuidados com a saúde, com os fatores externos (sociais, políticos, econômicos, históricos, epidemiológicos, tecnológicos) de cada realidade local

O citado autor observa que podemos analisar o sistema de cuidados com a saúde (health - care system) como uma estrutura com 3 polos ou arenas:

[1] O setor profissional, que envolve uma formação sistemática de um profissional da medicina científica (ocidental, cosmopolita) ou algumas tradições indígenas de cura (como chinesa, ajurvedica, yunani etc.).

[2]: O setor folk, com pessoas que exercem função terapêutica sem profissionalização algumas vezes classificados pelos etnógrafos como tradicionais ou sagrados (religiosos).

[3]: O setor popular que compreende principalmente o contexto familiar do adoecer e cuidar, a rede social, as atividades comunitárias e o saber popular difundido na comunidade. Observa que tanto nas sociedades ocidentais como nas não ocidentais 70 a 90 % dos distúrbios da saúde (sickness) são resolvidos nesse domínio.

A utilização das ferramentas conceituais antropologia da saúde nos permitem, por exemplo, identificar na prática da acupuntura e medicina tradicional chinesa um modelo, contextualizável no conjunto multi-étnico da Ásia ou das Medicinas Antigas, que vem se difundindo como uma prática de medicina alternativa ou complementar por todo o planeta, e que está “integrado” ou em vias de integração à medicina cosmopolita. 

Um mérito conquistado pela revolução cultural chinesa que propôs a criação dos “médicos de pés descalços” que ainda hoje se constitui como modelo de possível integração de sistemas etnomédicos aos sistemas de cuidados essenciais e saúde pública.

Por recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) os Estados nacionais devem integrar seus sistemas de saúde oficiais às medicinas tradicionais. Proposição esta que se depara diante do desafio de identificar elementos comuns ou padrões nas diversas medicinas tradicionais e práticas de auto-atenção.

Sabe-se, porém que generalizações sobre as práticas médicas ameríndias ou de qualquer outra região do planeta, apesar de necessárias na perspectiva de estudos teóricos, são perigosas porque, existe certa especificidade em cada sistema de crenças mítico-religioso e/ou prática cultural destinada à recuperação da saúde que podem ficar ocultas no exercício da comparação (etnocêntrica).

Por outro lado considerando-se a equivalência dos sistemas etnomédicos, sua comparação nos facilita compreender as especificidades que adquirem em função da adaptação à áreas ecológicas, grupos linguísticos e níveis de tecnologia resultantes do processo histórico de acúmulo de conhecimento. Assim procedendo as diversas conquistas de cada povo ou etnia podem ser integrados a grupos de práticas semelhantes, tornado-se mais compreensíveis as razões de sua permanência ou extinção. Lyons e Petrucelli associam o valor (eficácia) das técnicas ou medicamentos à sua permanência na(s) cultura(s).

A comparação, como se fossem atalhos indicadores de linhas de pesquisa, nos permite ampliar o conhecimento, organizando este, sob a forma de modelos etiológicos e terapêuticos, tal como definidos por Laplantine, que são fundamentados em teorias de base empírica e científica, ou etnomédica - mítico-religiosa.

medicinas tradicionais e sistemas de símbolos

O que antes se apresentava como um conhecimento aparentemente desordenado e não lógico (na ótica de alguns), agora é cada vez mais reconhecido, especialmente quanto ao uso de plantas, uso de técnicas de êxtase, ou mesmo reconhecido por se constituir como um conjunto de práticas que permitem compreender e curar doenças específicas, conhecer e controlar estados de consciência, controlar emoções ou modificar sentimentos de forma equivalente à psicanálise e nossas práticas de saúde mental.

A presente proposição também não pretende elucidar as questões da importância fundamental do idioma, na perspectiva da gramática histórico-comparativa ou constituir-se como uma norma de interpretação psicológica dos símbolos. Descartamos especialmente a perspectiva de análises numa ótica evolucionista dos níveis de tecnologia ou civilização.

Apresentamos aqui o esboço (um anteprojeto) de realizar um dicionário, um vocabulário inter-étnico de grupos de conceitos ou palavras que podem ser definidas como representantes do (1) setor profissional e/ou folk (medicinas tradicionais) e (2) setor popular (medicina doméstica de ampla difusão na comunidade). 

Para superar as barreiras linguísticas, e da propria concepção de “medicina”, selecionamos ideogramas e vocábulos: (1) da nomenclatura das regiões anatômicas do corpo, (2) da designação dos sinais e sintomas de grupos patológicos, bem definidos na Classificação Internacional das Doenças (CID) e (3) referências a psicologia de estados de consciência, emoções e afetos. Talvez seja possível identificar regularidades e concepções universais entre tais conjuntos de elementos ou traços culturais.

Sabe-se que estes sistemas profissional e popular coexistem e se intercomunicam. Possuem níveis de organização diferenciada pelo processo histórico, Em nossa pretensão elegemos os ideogramas e conceitos a medicina tradicional chinesa como representante do (1) setor profissional no sentido da citada proposição de Kleinman, (talvez o sistema etnomédico com melhor integração à medicina cosmopolita ocidental) e sobrevivências ou fragmentos da medicina inca representada por vocábulos quéchuas e relatos histórico etnográficos de algumas práticas a exemplo dos kallawayas e/ou da língua Quechua (considerando o status de civilização dos povos conquistados e destruídos) e escolhemos como representantes suposto (2) saber médico popular, o conhecimento de alguns grupos indígenas selecionados por pertencer a área cultural delimitada pelo uso ritual da ayahuasca ou expressos na língua geral basílica que já foi utilizada no Brasil. 

alguns problemas da proposição

Consideramos o Nheengatu um artifício facilitador (dado à sua grande difusão no Brasil) ao acesso a idiomas das diversas tribos, reconhecendo sua limitação à ser considerado como um "saber popular" difundido entre todos integrantes da tribo.

O idioma (língua) segundo Matoso Camara Jr. apresenta-se como um microcosmo da cultura. Tudo que a cultura possui se expressa através da língua; e esta é em si mesma um produto cultural. Sem resolver tal paradoxo não há de se ter uma perfeita compreensão da cultura chinesa, inca ou ameríndia com suas tradições. Há que se buscar uma cooperação entre essas ciências. Como disse o mestre Lévi-Strauss, se houvesse uma correspondência absoluta entre a língua e a cultura, os antropólogos e lingüístas já teriam se dado conta disso.

A análise está em fase inicial, contudo, em tese já se observa uma maior número de vocábulos nos idiomas referentes aos sistemas etnomédicos mais “complexos” tipo profissional e/ou folk, segundo Kleinman, nos vocabulários correspondentes ao sistema etnomédico chinês e inca (aqui representado pelo idioma quéchua), sobretudo quanto à nomenclatura anatômica e semiológica (clínica). Uma extensão de vocabulário quiçá semelhante ao sistema médico cosmopolita ocidental. 

o raciocínio clínico

Além de vocábulos referentes à anatomia e manifestações de patologias expressas por sinais clínicos, como previsto, a nossa maior dificuldade são descrições de sintomas, e explicações de suas possíveis causas. A racionalidade médica, na terminologia proposta por Luz (1988), é uma concepção essencialmente útil para quem pretende comparar elementos (o que é uma exigência do método estrutural). Segundo essa autora, uma racionalidade médica ou sistema lógico e teoricamente estruturado, tem como condição necessária e suficiente para ser considerada como tal, a presença dos seguintes elementos:

Uma morfologia (concepção anatômica);
Uma dinâmica vital ("fisiologia");
Um sistema de diagnósticos;
Um sistema de intervenções terapêuticas;
Uma doutrina médica (cosmologia).


Apesar de útil para entendimento do raciocínio clínico, ou seja uma delimitação de  método de descrição das patologias e seu tratamento,  a classificação ou medida da complexidade dos sistemas etnomédicos é também limitada. Os sistemas etnomédicos em questão, pelo visto, não podem ser diferenciados apenas pela profissionalização de seus praticantes, pela presença de textos escritos ou relações formalmente estabelecidas de mestre - discípulo. Além do que não se devem ignorar as contribuições de Lévi-Strauss na demonstração de que não existe superioridade nas estruturas lógico-cognitivas (operações mentais) da ciência ocidental e sistemas míticos, um ajustado à percepção e outro à intuição sensível.

Por outro lado como afirmado anteriormente a eficácia das técnicas ou medicamentos é a sua permanência na(s) cultura(s). A ampla difusão da acupuntura e mais recentemente de rituais da ayahuasca, por este critério já revelariam seu valor terapêutico, entretanto não se deve ignorar a influência das políticas de saúde e características sócio-econômicas do contexto de sua utilização difusão.

É, também, um contra-senso querer avaliar o saldo positivo ou erigir um inventário de traços separados de técnicas terapêuticas e descrições de patologias e sistemas de classificação de plantas e animais sem considerar a origem e função dessas opções. No caso das populações indígenas (e/ou escravizadas) dizimadas pelas armas, destruição de sua cultura, incluindo o seu próprio sistema de cuidados de saúde e meio ambiente original, muito do conhecimento foi perdido. Como se sabe os modelos de assistência à saúde e a organização do estado face aos problemas de saúde pública acompanharam de certa forma o desenvolvimento do capitalismo e a formação do estado moderno.

Contudo há esperanças de construção de uma forma de aperfeiçoar a intercomunicação de entre as diferentes concepções a partir do exercício da clínica médica nas aldeias indígenas sobreviventes ou levando a complexa e cara medicina cosmopolita ocidental a populações carentes cujo principal recurso é o saber popular e as escassas plantes medicinais dos ecossistemas degradados pela urbanização intensa. 

As iniciativas como a do governo revolucionário chinês da criação dos médicos de pés descalços, ainda podem ser tomados como modelo para os programas de saúde da família com formação de agentes de saúde indígena e quilombolas. Outro exemplo é a patrimonialização do uso ritual da ayahuasca e /ou a formação de sociedades como a Unión de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonia Colombiana – UMIYAC. Reafirmando a iniciativa ou carisma dos Carai ou grandes Pajés, que como Xamãs possuíam livre acesso a tribos e nações, assim intercambiando, sobretudo conhecimento sobre novas formas de utilização da flora e fauna sobretudo em técnicas etno-médicas.

para concluir

Não temos certezas (falo agora por ambos autores da proposição inicial ao Comitê Científico de AYA2016) sobre a viabilidade da tarefa de construir um vocabulário realmente comparável em termos de concepção, acredito que apenas viável para comunicação de indivíduos bilíngues numa situação clínica.  Questões geo-político territoriais, interesses de classe e limitações de recursos para assistência médicas às populações indígenas se sobrepõeem. 

Quanto a validade intelectual e teórica desta proposição, considere este texto e blog como teste e consideramos um primeiro passo dado a sua aprovação em congresso internacional que precedeu a realização da Primeira Conferência Indígena da Ayahuasca realizada em dezembro de 2017, e que muitas outras venham lhe suceder, trazendo melhorias e respeito à sabedoria ancestral.

Referências 


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Ayahuasca, medicina inca, idiomas indígenas

A identificação da área cultural de uso da ayahuasca foi realizada a partir da revisão de literatura, tendo com base o Handbook of South American Indians, a proposição do portal ayahuasca.com, mapas de idiomas, a revisão de Dominique Buchillet (2007) de 162 anos de publicações sobre saúde indígena a Dissertação de Mestrado de Pedro Luz (1996)

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TEXTO: (Revisão, referências citadas)

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LYONS, Albert S.; PETRUCELLI, Joseph. História da medicina.. SP, Manole, 1997

MATOSO CAMARA Jr., J. Introdução à línguas indígenas brasileiras. RJ, Museu Nacional, 1965

OMS. Organização Mundial da Saúde. Estratégias de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Genebra: Organização Mundial da Saúde. 2002. 

SALGADO, Ricardo Seiça. A Performance da Etnografia como Método da Antropologia ANTROPOlógicas 2015, nº 13 http://revistas.rcaap.pt/antropologicas/article/view/1640/5109  acesso 13/05/2016

SCOPEL, Daniel; DIAS-SCOPEL, Raquel Paiva; WIIK, Flávio Braune. Cosmologia e Intermedicalidade: o campo religioso e a autoatenção às enfermidades entre os índios Munduruku do Amazonas, Brasil.. Tempus Actas de Saúde Coletiva, [S.l.], v. 6, n. 1, mar. 2012. ISSN 19828829. Disponível em:
 <http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1141/1046>. Acesso em: 16 abr. 2016.

ANEXO 

Só para ter uma ideia da dimensão desta tarefa iniciamos a seleção de alguns vocábulos comuns à pratica da acupuntura e de alguns rituais de uso da ayahuasca já descritos na literatura (ver anexo) a saber :

Espírito (energia espiritual):  , shén  hún   pó   zhì 
Consciência:  意识 Yi shí  (意識) /  Sentir: Jué , () ;
Cérebro: 大腦 dà nǎo ; 
Sono 睡觉 jué jiào ; 
Sonho  mèng 

O que se pode antecipar diante da complexidade da tarefa, é confirmar o que me respondeu Madel Luz durante um congresso de antropologia médica na Bahia sobre as múltiplas possibilidades de interpretação do efeito da acupuntura, com diversas teorias antropológicas e/ou clínicas (endorfinas, reflexos do segmentos medulares ou dermátomos, teoria das comportas, etc.): 

- “Assim como nos idiomas podemos ser bilíngües sem construir um novo idioma (tipo portunhol), correndo o risco de perder eficiência da comunicação, apenas podemos entender e lidar os sistemas etnomédicos preservando a identidade e coerência de cada um” 

Quanto a natureza indefinida do aspecto religioso e clínico ou médico do uso da ayahuasca, observe-se que um entendimento ou integração dos aspecto religioso com o terapêutico, deverá ser construído em um novo paradigma ou modelo de produção científica como muitos autores já preconizaram. Entre as proposições mais coerentes e úteis ao entendimento dos sistemas religiosos-etnomédicos está a reconstrução da utilização da concepção de energia vital (abandonada com a descoberta da possibilidade de síntese de compostos orgânicos e descoberta dos microrganismos patogênicos)  e ou reconhecimento de Deus e de Espírito, a construção de uma ciência não maerialista, inclusive como propõem psicanalistas jungnianos e psicólogos transpessoais.


Algumas anotações sobre os vocábulos selecionados


 shén spirit, deity; divinity; infinite; numen; omniscience; clever; espírito, divindade; infinito; nume; onisciência; (adj) inteligente;

精神, Jīngshén spirit 心神 , Xīnshén mind

Natureza do Shen na medicina chinesa

O Shen é uma das substâncias vitais do corpo. É o tipo mais sutil e não-material de Qi. A maioria dos autores traduz a palavra Shen como "espírito"; Eu prefiro traduzir o Shen do Coração como "Mente" e não como "Espírito".

Traduzo como "Espírito" o complexo de todos os cinco aspectos mental-espirituais de um ser humano, ou seja:  
hún; shén; yi; pó; zhì

"Shen" indica a atividade de pensamento, consciência, auto - percepção, vida emocional, memória e vontade, todos os quais dependem do coração. Eu traduzo isso como "mente" quando se refere ao Shen do Coração.

"Shen" portanto indica também o complexo de todos os cinco aspectos mentais e espirituais de um ser humano, ou seja, o próprio Shen, o Hun, o Po, o Yi e o Zhi e é o que eu traduzo como "Espírito".

MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016
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Quechua

Nuna - alma, espíritu Nunachay - intelectualizar, espiritualizar Yuyana - mente
nuna: (n) (1) The principle that everything is spirit. One of the major organizing principles. (2) The spirit; the essential aspect of the individual. Soul, an individual's (or object's or group's) inalterable essence, underlying all levels of body, mind, and spirit.
See, saiwa, munay, chekak, yuya, ch'ulla, kallari, kawsay.
nuna illariy: (n) Soul awakening, or the first ray of dawn of the soul; a term used to describe shamanic journey, a conscious out-of-body experience along a ray of light or straight path; the flight of the soul along a ray of dawning.
http://www.incaglossary.org/nextra.html

Línguas indígenas ameríndias

-> Tupi (Língua Geral) Mbaé - espírito variedade: auassay, guajupiá, tupixuara
-> Tucano (Dahceié) Héripona - coração, alma, consciência *
* p/ SILVA, Acionilio, (A civilização indígena do Uapés Livraria Salesiano, 1977) Alma: héri-porã no Uapés: héri-põna e também bahusé - sombra coisa que aparece wãx-ti - incorpóreo dos defuntos

-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma
1412. estes nós dormimos, deitamo-nos, estes nós sonhamos. 1413. estes nós sonhamos, muito longe nós passeamos, estes nós sonhamos 1414. estes nós sonhamos, dormimos deitados, estes nós sonhamos dormimos deitados, sonhamos, nossa alma muito longe passeia, nossa alma. 1415. nossa alma, nos dormimos deitados, nossa alma nosso corpo nos largou, sahiu. 1416. nossa alma, nos dormimos deitados, nossa alma passeia, anda. 1417. nossa alma passeia, nossas gentes morreram, nos suas almas com (em sua casa) passeamos.
1412. na nó namairã, nwwa txai nó nimiç'kiaki, na nõ narnairã. 1413. na nó namáimiç'dã, uxaraka,na nó namamiç'dã. 1414. õxaraka, namairã, nuku iôxinoé mawa nãta nímiç'kiaki nuku iôxínã. 1415. nuku iôxínã, nu ôxa, daka, nuku iôxí nuku, iura, nuku pax' - kabãini, 1416. nuku iôxi, nõ oxa dakakõe; nuku iuxinã bai, nimiç'kiaki. 1417. nuku iôxi bairã, nuku nabô mawayama, nu ratõ iôxí ki bai-(? ) miç'kiaki .
ABREU, Capistrano. Rã-txa hu-ni-ku-i. Gramática, textos e vocabulário caxinauás. RJ: Sociedade Capistrano de Abreu, 1941


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hún 
fetch
busca
cloud soul
alma etérea – (Maciocia)

p/ Robert Henry Mathews (1877–1970) (missionário, sinólogo): Inteligência, faculdade espirituais (clareza)
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Quéchua
P’iqënã – inteligência
Yuiana – imaginacion
Jamút’ay - entendimiento

* P'eqaña (Cochabamba)
Apamuy, apaimuy - to fetch, buscar
(Cochabamba, Cozco)

* Diccionário Quechua - Runasimi.org
http://www.runasimi.org

-> Tupi (Língua Geral)
Ara, tecocu(gu)aba - entendimento

-> Tucano (Dahceié)
Tiomahcígue – inteligente
Tiocé – entender

-> Caxinauá (Hunikui)
Unã, unãnöpa – inteligente
Unãi, nîkai – entender


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soul; spirit; vigor
alma; espírito; vigor
white - soul alma - branca

Segundo Maciocia:
Os "cinco espíritos", em chinês, chamados de "Cinco Shen" [
五神], são os Shen, Hun, Po, Yi e Zhi que residem respectivamente no Coração, Fígado, Pulmões, Baço e Rins.
MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016
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Quéchua
Nuna - alma, espíritu Kallpasapa - vigoroso Kallpáchay – vigorizar
Apu - espíritu o divinidad superior *
* Imbabura, Cochabamba, Ayacucho Diccionário Quechua - Runasimi.org http://www.runasimi.org/

Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Mbaé – espírito Anga – alma; (separada) angüera
Ata, atangatu, pyatã - vigoroso
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ?
-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma


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zhì
ideal, manter em mente; marca; registros; vontade ideal; keep in mind; mark; records; will

Apesar de outros ideogramas designarem memória a exemplo de jì yì
记忆 (記憶 / memoria; recordar, fotografia) a mémoria descrita nos antigos textos correponde ao zhi associado ou presente no meridiano dos rins.

Segundo Maciocia:
“A memória tem dois significados diferentes. A memória explícita consiste em lembrar fatos e eventos passados. Isso depende do Shen e, portanto, do Coração, embora também no Baço (Yi) e nos Rins (Zhi). A memória implícita consiste na memória muscular, ou seja, lembrando como andar de bicicleta, dançar ou tricotar, etc.”

Memory has two different meanings. Explicit memory consists in remembering facts and past events. This depends on the Shen and therefore the Heart, although also on the Spleen (Yi) and Kidneys (Zhi). Implicit memory consists in muscle memory, i.e. remembering how to ride a bicycle, to dance or to knit, etc.

Materia / energia
Uma concepção de metabolismo - Fang Yhizi (1611-1617) sábio da dinastia Qing em sua enciclopédia cientifica afirmava que a forma interior (exterior) dos seres não muda apesar de sofrerem profundas transformações na sua substancia (zhi). A matéria segundo ele apesar de aparentar ser inerte é na realidade um turbilhão de forças no mundo onde só existe o qi (matéria/ energia). (Gernet)

MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html aces. nov.2016

GERNET, Jean. O mundo chinês. (2V). V 2; p.46. Rio de Janeiro, Lisboa: Cosmos, 1974

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, (意識)Yi shí consciousness, awareness, conscious, realization, notice; have knowledge, be conscious of, be aware of, understand, grasp, awake, realize, comprehend
consciência, consciência, consciente, realização, aviso prévio; ter conhecimento, estar consciente, estar ciente, compreender, entender, acordado, perceber, compreender

昏厥 hūn jué faint, asphyxia, syncope; desmaio, asfixia, síncope;
暈倒 yūn dǎo faint, fainting fit fraqueza, desmaio
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Quéchua vocábulo não disponível ?
Rijsiy – conocer Yáchay – conocimento Rijch’ áriy, rich’ áriy – despertar Unánchay – entender Yuyáriy – acordar-se (recordar)
Sunqöchínkay, sunköp’itiy, yuyap’itiy - desmayo
outras fontes *
Ch'uyasunqu (s.). Corazón de conciencia limpia
Pesuisada em todos los dialectos Conciencia s. (Cozco, ) allin yuyay (Cochabamba) ch'uwasonqo corazón de conciencia limpia (Cochabamba) ch'uyasonqo corazón de conciencia limpia chuwasunqu corazón de conciencia limpia chuyasunqu corazón de conciencia limpia (Cochabamba, Cozco, ) nuna

* Diccionario Quechua - Aymara al español http://www.katari.org/diccionario/diccionario.php
Diccionário Quechua - Runasimi.org http://www.runasimi.org/

Línguas indígenas
-> Tupi (Língua Geral) vocábulo não disponível ? Cu(gu)aba, ecocu(g)uaba(s) – conhecimento Paca – despertar (intransitivo) sair do sono, acordar Mombaca – despertar (transitivo) tirar do sono, estimular
Mano, manoaíba, eõara (s) Xe - desmaiar Moessapytumbyca – fazer desmaiar Eõ (t) eôara - desmaio
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ? Mahcicé – conhecer Uacancé – despertar-se
Beretián-uatiancé, dohque-siáqueacé - desmaiar
-> Caxinauá (Hunikui) vocábulo não disponível ?
Õiki taöai – conhecer Tôi – conceber Unêi – compreender Böç toei, böç’tõewãi – acordar
Xinanöi – desmaiar


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/大腦  dà nǎo brain, cerebrum

Naozi

脑子 nǎo zi brains mind

Radical: "
" very large, lot, great man, important
tóu nǎo brain mind
tóu
caput; conk; head; knowledge-box; noddle; offal; twopenny
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Quechua
Ñutqö, ñusqön, ñujtun - cérebro Ñutqöjillikan - meninge Yuyana - mente
Cerebro, seso - Ñutqhun
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Uide - Meolo - Celebro * Pyá - mente Pyâ coração, fígado (prefixo de varias palavras associadas à sentimento a ex: Pyâ catu rupi - affabilidade, de boa mente / Pyâ meoán - malícia
* Ayrosa, P. 1938 - vocabulario lingua basilica
-> Tucano (Dahceié) Caí - miolo Uahcuncé - mente
-> Caxinauá (Hunikui) Mapô – cérebro

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, () jué jiào
Sleep; become aware; feel; wake
Dormir; acordar; conhecimento; sentir
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Quera - dormir Queraiba – dormira mal (agitado) Monguera – fazer dormir Xe - sono Opessyia - estar com sono
-> Tucano (Dahceié) Canicé – dormir Uehá - sono
-> Caxinauá (Hunikui) Ôxa - dormir Xãtôa – dormente (parte do corpo)


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mèng
dream, sonho
, (夢見) mèng jiàn
vision; dream, see in a dream visão; sonho, ver no sonho
(惡夢) é mèng incubus, nightmare incubus, pesadelo
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir ? Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Possaussuba – sonho Possaussuba [esse] sonhar
-> Tucano (Dahceié) Sonhar – queencé Sonho - queenó
-> Caxinauá (Hunikui) Namái – sonhar


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記憶, jì yì
memory; remember, photograph memória, recordação, fotografia
- i remember
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Quechua
Sunqöjáp'iy, yuyay, p'iqëña - memória Umáyuj, yuyaisapa - memorioso
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Maenduassaba - memória Momamenduara - lembrar
-> Tucano (Dahceié) Mahcínomena nicé ou uahcuncé - memória Uahcuncé - recordar
-> Caxinauá (Hunikui) Tapiç' kui – recordar


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 /
lú crânio, skull
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Quechua
Ayauma, t'ujruru Calavera, caveira, skull
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Acangüera - caveira (calvaria) Cabeça descarnada ou esqueleto da cabeça
-> Tucano (Dahceié) Dihpoá-boa-uehticá - caveira
-> Caxinauá (Hunikui) Bötõkô xau – caveira



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Povos indígenas, as matrizes originárias de uso da ayahuasca na América

Identificar e conhecer os grupos étnicos amazônicos e da região andina que utilizam a ayahuasca não é uma tarefa simples, há variantes lingüísticas e étnicas em uma mesma região ou uma mesma etnia, às vezes, dispersa entre várias regiões e países do entorno da Amazônia. Além do que com o nome de ayahuasca podem ser denominadas diferentes composições de bebida e modos de preparar como a própria literatura já assinala.

Apesar de consagrado o uso da Banisteriopsis caapi em associação à Psychotria viridis ainda persiste o entendimento de que basta a presença da referida Malpighiaceae para que o composto seja designado como Ayahuasca.

Esse trabalho relaciona-se a proposição publicada na Wikipédia pelo presenta autor: "Lista dos povos indígenas que utilizam ayahuasca" explora uma relação ainda provisória construída a partir da proposição do Handbook of South American Indians editado por Julian H. Steward [1] traduzido seletivamente e publicado no Brasil por Ribeiro [2]. O capítulo sobre estimulantes e narcóticos escrito por John M. Cooper apresentado neste livro refere-se a listas elaboradas por Spruce, 1908; Reiburg 1921 [3]; Tessmann, 1930 [4] e Pardal, 1937.

Utilizando também as referências de Taussig, 1993 [5] e Bolsanello, 1995 [6] e mais recentemente a dissertação de mestrado de Pedro Luz [7] que realizou um num estudo comparativo dos complexos ritual e simbólico associados ao prepero e consumo do Banisteriopsis caapi e de suas plantas aditivas em tribos de língua Pano, Aruak, Tukano e Maku.

A diferença desse hipertexto para aquele é que na presente construção a proposição é essencialmente uma seleção e análise crítica das centenas de pequenos vídeos publicados aqui world wide web (www) com fins educativos e de suporte à trabalhos científicos sobre o uso etnomédico e matrizes originárias da utilização ritual da ayahuasca na América do Sul. Para se ter uma idéia da complexidade e extensão da tarefa somente no YouTube em 11 de maio de 2012 se obteve 17100 resultados para o termo Ayahuasca e respectivamente 233 e 110 para as expressões "Ayahuasca indians" e "Ayahuasca, índios".

As etnias serão identificadas a partir da família linguística de que fazem parte, observando-se então se a utilização da ayahuasca é uma aquisição recente, um traço cultural em extinção e/ou ausente. Até agora as famílias linguísticas identificadas que incluem etnias, descritas na literatura, com sistemas etnomédicos associados ao consumo da ayahuasca foram: Panos (Macro-Pano-Tacanan); Aruák (Arawak); Quechua (Quechumaran) – Aimara; Tucanoan (famílias Tukano); Jivaro (Ashuar) e as línguas isoladas: Arawá; Katukina; Maku; Uitoto (Rio Caquetá – Alto Amazonas) / Uitoto entre outras.

O mapa abaixo é uma sobreposição das áreas dos principais grupos linguísticos à identificada como de consumo da ayahuasca por John M. Cooper, 1949 em seu texto "Estimulantes e narcóticos" publicando no referido Handbook of South American Indians. [1], [2]

Referências

1 Steward Julian H. (Ed.) Handbook of South American Indians. Vol 5 The comparative ethnology of South American Indians. Bureau of American Ethnology. Bulletin 143, Washington, DC, 1949
2 Ribeiro, Darcy (Editor) et alii Suma etnológica brasileira. Edição atualizada do Handbook of South American Indians. Petrópolis, RJ, Vozes – FINEP, 1986
3 Reinburg, P. Contribution a l'étude des boissons toxiques des indiens du nordouest de l'Amazonie, l'ayahuasca -le yaje - le huanto. Journal de la Societe des Americanistes de Paris (n.s.) 13:25-54; 197-216. Paris. 1921
4 Tessmann, Giinter Die Indianer Nordost-Perus. Hamburg: Friederichsen, de Gruyter and Co. 1930
5 Taussig, Michael. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem, um estudo sobre o terror e a cura. RJ, Paz e Terra, 1993
6 Bolsanello, Débora Pereira Busca do Graal brasileiro, a doutrina do Santo Daime. Ed Bertrand do Brasil, 1995
7 Luz, Pedro F.L. Estudo comparativo dos complexos ritual e simbólico associados ao uso da Banisteriopsis caapi e espécies congêneres em tribos de língua Pano, Arawak, Tukano e Maku do noroeste amazônico. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. NEIPJan. 2011



Quechuas, Incas e Ayahuasca

O quechua (quíchua, qhichwa), também chamado de quéchua é uma importante família de línguas originárias da América do Sul, juntamente com o Aimara, com quem está intrinsecamente relacionado reúne, o maior número de falantes de todas as línguas sobreviventes do Novo Mundo, cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru ao longo dos Andes.

Segundo Lewis pode ser dividida em dois grandes grupos, com 46 variantes dialetais. O primeiro (Quíchua I ou Waywash) correspondendo ao falar das regiões mais altas do Peru reunindo 17 dialetos, sendo que o segundo (Quíchua II ou Wanp'una (viajante)), apresenta três ramos: (IIA) Yunkay falado por grupos isolados oeste do Peru; (II-B) Runasimi, falado no Equador, Colômbia, e regiões de planície na Amazônia peruana e equatoriana; (II-C) Quechua do Sul, falado nas terras altas do sul do Peru, na Bolívia, na Argentina e Chile. (Campbell)



Os vários dialetos são mais ou menos inteligíveis entre si e algumas de suas variantes correspondem as línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador. O Quechua do Sul, (II-C) apresenta o maior número de falantes e tem significativo legado cultural e literário. (Campbell).

Para maioria dos historiadores o quechua era o idioma oficial falado no Império Inca (associa-se o aimará ao apogeu da civilização de Tihuanaco) , ou seja não considerando a sucessão de culturas e formações imperiais (evidenciadas pelos achados arqueológicos de Caral Chavin, Moche, Nazca, Tihuanaco, Huari) se extendeu por um pouco mais de três centenas de anos, do sec XIII até 1532, a chegada dos espanhóis.

Segundo Heggarty, parece bastante claro que tanto o quechua e o aimará foram línguas faladas em algumas pequenas áreas pequenas, que através do processo histórico cultural da região se expandiram enormemente num processo análogo a língua da região em torno de Roma (Lácio), que foi utilizada pelo Império Romano (especialmente a parte ocidental), e sobreviveu transformado em modernas línguas românicas de Portugal para a Bélgica à Roménia.

Alguns autores observam que por frequencia de vocábulos e sons comuns o aimara e quechua poderiam ser incluídos numa mesma família (Quechumara) contudo suas estruturas gramaticais os diferenciam.

Ayahuasca

A maior evidência da utilização da ayahuasca por etnias de língua quechua, é a origem quechua da palavra “ayhuasca”, traduzida diversamente por liana (cipó, corda) das almas (do homem morto) além de algumas outras palavras, inclusive “Chakruna” que não só representa uma palavra como também um modo específico de preparo da bebida ayahuasca, que é a decocção conjunta da Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis (Highpine).

Outra evidência são os grupos quechuas que ainda utilizam a ayahuasca entre os quais os Ingas (Ingano) - Vale Sibundoy /Colômbia; os Kofan (Cofan) do Rio Putumaio – San Miguel / Equador e os Callawaya - (Quíchua), da Bolívia – Peru ao que parece uma etnia com elevado número de raizeiros (xamãs – ervanários ou comerciantes de plantas medicinais) e funções específicas no Império Inca, além das dezenas de cholos ou mestiços que não mais integram uma etnia mas conhecem algo do quechua e são curandeiros que utilizam ayahuasca.

A evidenciação da utilização da ayahuasca no império Inca e o conhecimento de suas formas de uso, possuem uma dificuldade maior de reconstrução. Considere-se a reconhecida violência das guerra de invasão e processo de ocupação. Podem ser tomados como exemplo a proibição do ritual coletivo Inti Raymi (em quéchua, "Festa do Sol") em 1572 pelo Vice-Rei Francisco de Toledo, por ser considerada uma cerimônia pagã e contrária à fé católica (Wikipédia) ou mesmo duma planta de ampla utilização por aquelas populações como a coca (do quíchua kuka - Erythroxylum coca) foi considerada pelo Concílio de Lima, 1567, como “inútil e perniciosa” (Delpirou; Labrousse)

Por outro lado, além das diversas referências à bebida sagrada dos Incas, inclusive na “Festa do Sol” com citação do próprio Inca Garcilaso de la Vega (1539 - 1616) (Ribeiro,2005; Ribas, 2008) parece não haver citações explícitas à ayahuasca nos documentos históricos mais conhecidos, Beyer descreve esse período como um “longo silêncio” onde não se evidenciou a presença da ayahuasca bebida nas terras altas nem mesmos em acusações de feitiçaria conhecidas, apesar de referências arqueológicas à outras substâncias enteógenas inalantes.

Lidamos com fragmentos, considero que somente após reunião de maiores evidências (etnografias, análises) que permitam compreensão da extensão e forma de uso de tais plantas a partir de mapeamento de uso, considerando as possibilidades de uso tradicional, adquirido recentemente ou potencialmente extinto no panorama das técnicas etnomédicas e demandas de saúde (ou mítico religiosa) de tais populações é que poderemos ter uma idéia mais aproximada da dimensão desse bem cultural.

Bibliografia

Beyer, Steve On the Origins of Ayahuasca. in: Singing to the Plants (site) http://www.singingtotheplants.com Wednesday, Apr 25th, 2012

Coe, Michael; Snow, Dean; Benson, Elizabeth. Antigas Américas, mosaico de culturas (2V) Es, E. del Prado, 1996

Campbell, Lyle. American Indian Languages: The Historical Linguistics of Native America, Oxford University Press, 1997, p. 189. In Wikipédia (Quechua)

Delpirou, Alain; Labrousse, Alain. Coca, Coke, produtores, consumidores, traficantes e governantes. SP, Brasiliense, 1988

Heggarty, Paul. Quéchua web site. http://www.quechua.org.uk/ (jun 2012)

Highpine Gayle. Unraveling the Mystery of the Origin of Ayahuasca. NEIP - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. (Jun. 2012) http://www.neip.info/index.php/content/view/2469.html

Lewis, Paul M. (org.), 2009. Ethnologue: Languages of the World, edição XVI. Dallas, Texas: SIL Internacional. Versão on-line: http://www.ethnologue.com/. Maio 2012

Longhena, Maria; Alva, Walter. Peru antigo (Grandes Civilizações do passado). Barcelona, Folio, 2006

Mercier H,,Juan Marcos; Fernández, María C.Nosotros los napu-runas : mitos e historia = Napu runapa rimay. Peru. Ministerio de Educación. Educación Bilingüe - Alto Napo.

Poblete, Enrique Oblitas. Plantas medicinales de Bolívia, farmacopea Callawaya. Cochabamba, La Paz, 1969

Ribeiro,Fernando. Os Incas, as plantas de poder e um tribunal espanhol. RJ, Mauad, 2005

Ribas, Ka, W. A ciência sagrada dos Incas. SP, Madras, 2008

Wikipédia, verbetes Quíchua, Incas, Inti Raymi (acesso jun. 2012)



O mapa acima é uma sobreposição das áreas dos principais grupos linguísticos à identificada como de consumo da ayahuasca por John M. Cooper, 1949 em seu texto "Estimulantes e narcóticos" publicando no Handbook of South American Indians. [1], [2]

1 Steward Julian H. (Ed.) Handbook of South American Indians. Vol 5 The comparative ethnology of South American Indians. Bureau of American Ethnology. Bulletin 143, Washington, DC, 1949
2 Ribeiro, Darcy (Editor) et alii Suma etnológica brasileira. Edição atualizada do Handbook of South American Indians. Petrópolis, RJ, Vozes – FINEP, 1986


Alguns vídeos selecionados:









Napu runas (Amazonian Kichwas) Shaman