Anotações sobre vocabulário inter-étnico de
uso ritual da ayahuasca ou comparação de sistemas etnomédicos (versão
preliminar).
Texto adaptado da
apresentação selecionada pelo Comitê Científico de AYA2016 com o título "Vocabulário Inter-Étnico de Uso da Ayahuasca" com co-autoria de Ana Sartori Gandra, para apresentação na
Segunda Edição Conferencia Mundial da Ayahuasca, realizada em Rio Branco
de 17 a
22 de Outubro de 2016 (www.ayaconference.com) por um de seus autores (Paulo Pedro).
Inicialmente
quero propor ou avisar sobre minha intenção de analisar o vocabulário
inter-étnico de uso ritual da ayahuasca a partir de uma seleção de vocábulos
extraídos da prática clínica da medicina tradicional chinesa e acupuntura, apesar da proposição inicial feita aos organizadores do AYA2016 contemplar apenas as os idiomas de povos ameríndios que utilizam a ayahuasca.
Não
pretendo buscar uma justificativa para tal pretensão na expansão da raça amarela (mongolóide) nem elucidar a questão da
origem comum para o complexo lingüístico ameríndio e sua “indiscutível” relação
com o processo de povoamento da América a partir de grupos ou hordas que
procederam da Ásia, através do estreito de Bering.
Parto do
princípio do entendimento do uso ritual pode e deve ser compreendido na
perspectiva de comparação de sistemas etnomédicos, especialmente da demanda
terapêutica clínica destes, sem contudo, negar o uso religioso ou contexto
sagrado em que podem ser interpretados, especialmente no Brasil onde a
ayahuasca é o fundamento “místico” de pelo menos três grandes comunidades
religiosas.
Estudando os
sistemas de cura e seus modelos assistenciais, ou sistemas de cuidados à saúde
(Health - Care System), utilizando uma expressão de Kleinman, precisamos
entender a demanda de construção de um modelo que dê conta ou integre os processos psicofisiológicos, comportamentais e simbólicos
das crenças e cuidados com a saúde, com os fatores externos (sociais, políticos, econômicos, históricos, epidemiológicos, tecnológicos) de cada realidade local
O citado autor
observa que podemos analisar o sistema de cuidados com a saúde (health - care
system) como uma estrutura com 3 polos ou arenas:
[1] O setor
profissional, que envolve uma formação sistemática de um profissional da
medicina científica (ocidental, cosmopolita) ou algumas tradições indígenas de
cura (como chinesa, ajurvedica, yunani etc.).
[2]: O setor
folk, com pessoas que exercem função terapêutica sem profissionalização algumas
vezes classificados pelos etnógrafos como tradicionais ou sagrados
(religiosos).
[3]: O setor
popular que compreende principalmente o contexto familiar do adoecer e cuidar,
a rede social, as atividades comunitárias e o saber popular difundido na
comunidade. Observa que tanto nas sociedades ocidentais como nas não ocidentais
70 a 90 %
dos distúrbios da saúde (sickness) são resolvidos nesse domínio.
A utilização das
ferramentas conceituais antropologia da saúde nos permitem, por exemplo,
identificar na prática da acupuntura e medicina tradicional chinesa um modelo, contextualizável no conjunto multi-étnico da Ásia ou das Medicinas Antigas, que vem se difundindo como uma prática de medicina alternativa ou
complementar por todo o planeta, e que está “integrado” ou em vias de integração
à medicina cosmopolita.
Um mérito conquistado pela revolução cultural chinesa
que propôs a criação dos “médicos de pés descalços” que ainda hoje se constitui
como modelo de possível integração de sistemas etnomédicos aos sistemas de cuidados essenciais e saúde pública.
Por recomendação
da Organização Mundial de Saúde (OMS) os Estados nacionais devem integrar seus
sistemas de saúde oficiais às medicinas tradicionais. Proposição esta que se
depara diante do desafio de identificar elementos comuns ou padrões nas
diversas medicinas tradicionais e práticas de auto-atenção.
Sabe-se, porém
que generalizações sobre as práticas médicas ameríndias ou de qualquer outra
região do planeta, apesar de necessárias na perspectiva de estudos teóricos,
são perigosas porque, existe certa especificidade em cada sistema de crenças
mítico-religioso e/ou prática cultural destinada à recuperação da saúde que
podem ficar ocultas no exercício da comparação (etnocêntrica).
Por outro lado
considerando-se a equivalência dos sistemas etnomédicos, sua comparação nos
facilita compreender as especificidades que adquirem em função da adaptação à
áreas ecológicas, grupos linguísticos e níveis de tecnologia resultantes do
processo histórico de acúmulo de conhecimento. Assim procedendo as diversas
conquistas de cada povo ou etnia podem ser integrados a grupos de práticas
semelhantes, tornado-se mais compreensíveis as razões de sua permanência ou
extinção. Lyons e Petrucelli associam o valor (eficácia) das técnicas ou
medicamentos à sua permanência na(s) cultura(s).
A comparação,
como se fossem atalhos indicadores de linhas de pesquisa, nos permite ampliar o
conhecimento, organizando este, sob a forma de modelos etiológicos e
terapêuticos, tal como definidos por Laplantine, que são fundamentados em
teorias de base empírica e científica, ou etnomédica - mítico-religiosa.
medicinas tradicionais e sistemas de símbolos
O que antes se
apresentava como um conhecimento aparentemente desordenado e não lógico (na
ótica de alguns), agora é cada vez mais reconhecido, especialmente quanto ao
uso de plantas, uso de técnicas de êxtase, ou mesmo reconhecido por se constituir como um
conjunto de práticas que permitem compreender e curar doenças específicas, conhecer e
controlar estados de consciência, controlar emoções ou modificar sentimentos de
forma equivalente à psicanálise e nossas práticas de saúde mental.
A presente proposição também não pretende elucidar as questões da importância fundamental do idioma, na
perspectiva da gramática histórico-comparativa ou constituir-se como uma norma de interpretação psicológica dos símbolos. Descartamos especialmente a perspectiva de análises numa ótica evolucionista dos
níveis de tecnologia ou civilização.
Apresentamos aqui
o esboço (um anteprojeto) de realizar um dicionário, um vocabulário inter-étnico
de grupos de conceitos ou palavras que podem ser definidas como representantes
do (1) setor profissional e/ou folk (medicinas tradicionais) e (2) setor popular
(medicina doméstica de ampla difusão na comunidade).
Para superar as barreiras linguísticas, e da propria concepção de “medicina”, selecionamos ideogramas e vocábulos: (1) da nomenclatura das regiões anatômicas do corpo, (2) da designação dos sinais e sintomas de grupos patológicos, bem definidos na Classificação Internacional das Doenças (CID) e (3) referências a psicologia de estados de consciência, emoções e afetos. Talvez seja possível identificar regularidades e concepções universais entre tais conjuntos de elementos ou traços culturais.
Sabe-se que estes
sistemas profissional e popular coexistem e se intercomunicam. Possuem níveis
de organização diferenciada pelo processo histórico, Em nossa pretensão
elegemos os ideogramas e conceitos a medicina tradicional chinesa como
representante do (1) setor profissional no sentido da citada proposição de
Kleinman, (talvez o sistema etnomédico com melhor integração à medicina
cosmopolita ocidental) e sobrevivências ou fragmentos da medicina inca
representada por vocábulos quéchuas e relatos histórico etnográficos de algumas
práticas a exemplo dos kallawayas e/ou da língua Quechua (considerando o status de civilização dos povos conquistados e destruídos) e escolhemos como
representantes suposto (2) saber médico popular, o conhecimento de alguns grupos
indígenas selecionados por pertencer a área cultural delimitada pelo uso ritual
da ayahuasca ou expressos na língua geral basílica que já foi utilizada no
Brasil.
alguns problemas da proposição
Consideramos o Nheengatu um artifício facilitador (dado à sua grande difusão no Brasil) ao acesso a idiomas das diversas tribos, reconhecendo sua limitação à ser considerado como um "saber popular" difundido entre todos integrantes da tribo.
O idioma (língua)
segundo Matoso Camara Jr. apresenta-se como um microcosmo da cultura. Tudo que
a cultura possui se expressa através da língua; e esta é em si mesma um produto
cultural. Sem resolver tal paradoxo não há de se ter uma perfeita compreensão
da cultura chinesa, inca ou ameríndia com suas tradições. Há que se buscar uma
cooperação entre essas ciências. Como disse o mestre Lévi-Strauss, se houvesse
uma correspondência absoluta entre a língua e a cultura, os antropólogos e
lingüístas já teriam se dado conta disso.
A análise está em
fase inicial, contudo, em tese já se observa uma maior número de vocábulos nos
idiomas referentes aos sistemas etnomédicos mais “complexos” tipo profissional
e/ou folk, segundo Kleinman, nos vocabulários correspondentes ao sistema etnomédico chinês e inca
(aqui representado pelo idioma quéchua), sobretudo quanto à nomenclatura
anatômica e semiológica (clínica). Uma extensão de vocabulário quiçá semelhante ao sistema médico cosmopolita
ocidental.
o raciocínio clínico
Além de vocábulos referentes à anatomia e manifestações de patologias expressas por sinais clínicos, como previsto, a nossa maior dificuldade são descrições de sintomas, e explicações de suas possíveis causas. A racionalidade
médica, na terminologia proposta por Luz (1988), é uma concepção essencialmente
útil para quem pretende comparar elementos (o que é uma exigência do método
estrutural). Segundo essa autora, uma racionalidade médica ou sistema lógico e
teoricamente estruturado, tem como condição necessária e suficiente para ser
considerada como tal, a presença dos seguintes elementos:
Uma morfologia (concepção anatômica);
Uma dinâmica vital ("fisiologia");
Um sistema de diagnósticos;
Um sistema de intervenções terapêuticas;
Uma doutrina médica (cosmologia).
Apesar de útil
para entendimento do raciocínio clínico, ou seja uma delimitação de
método de descrição das patologias e seu tratamento, a classificação ou
medida da complexidade dos sistemas etnomédicos é também limitada. Os sistemas
etnomédicos em questão, pelo visto, não podem ser diferenciados apenas pela
profissionalização de seus praticantes, pela presença de textos escritos ou
relações formalmente estabelecidas de mestre - discípulo. Além do que não se
devem ignorar as contribuições de Lévi-Strauss na demonstração de que não
existe superioridade nas estruturas lógico-cognitivas (operações mentais) da
ciência ocidental e sistemas míticos, um ajustado à percepção e outro à
intuição sensível.
Por outro lado
como afirmado anteriormente a eficácia das técnicas ou medicamentos é a sua
permanência na(s) cultura(s). A ampla difusão da acupuntura e mais recentemente
de rituais da ayahuasca, por este critério já revelariam seu valor terapêutico,
entretanto não se deve ignorar a influência das políticas de saúde e
características sócio-econômicas do contexto de sua utilização difusão.
É, também, um
contra-senso querer avaliar o saldo positivo ou erigir um inventário de traços
separados de técnicas terapêuticas e descrições de patologias e sistemas de
classificação de plantas e animais sem considerar a origem e função dessas
opções. No caso das populações indígenas (e/ou escravizadas) dizimadas pelas
armas, destruição de sua cultura, incluindo o seu próprio sistema de cuidados
de saúde e meio ambiente original, muito do conhecimento foi perdido. Como se
sabe os modelos de assistência à saúde e a organização do estado face aos
problemas de saúde pública acompanharam de certa forma o desenvolvimento do
capitalismo e a formação do estado moderno.
Contudo há
esperanças de construção de uma forma de aperfeiçoar a intercomunicação de
entre as diferentes concepções a partir do exercício da clínica médica nas
aldeias indígenas sobreviventes ou levando a complexa e cara medicina
cosmopolita ocidental a populações carentes cujo principal recurso é o saber
popular e as escassas plantes medicinais dos ecossistemas degradados pela
urbanização intensa.
As iniciativas
como a do governo revolucionário chinês da criação dos médicos de pés
descalços, ainda podem ser tomados como modelo para os programas de saúde da
família com formação de agentes de saúde indígena e quilombolas. Outro exemplo
é a patrimonialização do uso ritual da ayahuasca e /ou a formação de sociedades
como a Unión de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonia Colombiana – UMIYAC.
Reafirmando a iniciativa ou carisma dos Carai ou grandes Pajés, que como Xamãs
possuíam livre acesso a tribos e nações, assim intercambiando, sobretudo
conhecimento sobre novas formas de utilização da flora e fauna sobretudo em
técnicas etno-médicas.
para concluir
Não temos certezas (falo agora por ambos autores da proposição inicial ao Comitê Científico de AYA2016) sobre a viabilidade da tarefa de construir um vocabulário realmente
comparável em termos de concepção, acredito que apenas viável para comunicação
de indivíduos bilíngues numa situação clínica. Questões geo-político territoriais, interesses de classe e limitações de recursos para assistência médicas às populações indígenas se sobrepõeem.
Quanto a validade intelectual e teórica desta proposição, considere este texto e blog como teste e consideramos um primeiro passo dado a sua aprovação em congresso internacional que precedeu a realização da Primeira Conferência Indígena da Ayahuasca realizada em dezembro de 2017, e que muitas outras venham lhe suceder, trazendo melhorias e respeito à sabedoria ancestral.
Referências
LÉXICO: Fontes (principais referências)
Ideogramas
ALLETON, Viviane. Escrita chinesa. RGS, L&PM, 2010
CHU, Yu-Kuang. Interação entre linguagem e pensamento chinês. in: Campos, Haroldo. Ideograma, lógica, poesia, linguagem. SP, Cultrix - Ed USP, 1977
GUERRA, Joaquim A. de Jesus; TJYNTOQ, Kvao. Dicionário Chinês – Portugês de análise semântica universal. Macau: Pond’s Enterprise Co., 1981
TUNG, Wendy,. Easy chinese, phrasobook & dictionary Illinois: Passaport Books, 1993
Chinese - English TCM (Traditional Chinese Medicine) dictionary http://www.hantrainerpro.com/tcm/
Chinese Characters, Genealogy and dictionary Yale Press http://zhongwen.com/
Medicina Tradicional Chinesa
CHINA, Ministério da Saúde. Fundamentos essenciais da acupuntura chinesa (Livro dos Quatro Institutos) – Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Beijing; Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Shanghai; Escola de Medicina Tradicional Chinesa de Nanjig; Academia de Medicina Tradicional Chinesa. SP, Ed. Ícone, 1995
CORRAL, José Luis Padilla. Fundamentos da medicina tradicional oriental: Curso de acupuntura. SP, Roca, 2006
TORRES, Gabriela. Descifrando la medicina ancestral asiática. BBC Mundo Salud Martes, 19 de marzo de 2013 http://www.bbc.co.uk
GWEI-DJEN LU; NEEDHAM, Joseph. Celestial Lancets: A History and Rationale of Acupuncture and Moxa. UK, Cambridge U. Press, 1980.
Ayahuasca, medicina inca, idiomas indígenas
A identificação da área cultural de uso da ayahuasca foi realizada a partir da revisão de literatura, tendo com base o Handbook of South American Indians, a proposição do portal ayahuasca.com, mapas de idiomas, a revisão de Dominique Buchillet (2007) de 162 anos de publicações sobre saúde indígena a Dissertação de Mestrado de Pedro Luz (1996)
Dicionários:
ABREU, Capistrano. Rã-txa hu-ni-ku-i. Gramática, textos e vocabulário caxinauás. RJ: Sociedade Capistrano de Abreu, 1941
GIACONE, Antonio (Pe) Gramática, dicionários e fraseologia da língua dahceié ou tucano Belém: Universidade do Pará, 1965
Quéchua– Castellano
Yachakuqkunapa Simi Qullqa - Qusqu Qullaw / Qhichwa Simipi.
PERU: Ministério de Educação Biblioteca: Educación Primaria ISBN: 9972-881-32-6
LARA, Jesus Dicionário Castellano Queshwa / Queshwa Castellano La Paz, Cochabamba: Amigos Del Libro, 1978
Tupi Língua Geral
Vocabulário na Língua Brasílica São Paulo: Departamento de Cultura, 1938
Manuscrito Português-Tupí do seculo XVII, coordenado e prefaciado por Plinio Ayrosa http://www.etnolinguistica.org/biblio:anonimo-1938-vocabulario
Barbosa, Pe. A. Lemos. Pequeno vocabulário Português-Tupi Rio de Janeiro: Livraria São José, 1970 http://www.etnolinguistica.org/biblio:barbosa-1970-pequeno
CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo, historia y etnografía del cuerpo en los pueblos Guaraní. Asunción :Tiempo de Historia, Fondec, 2009 - Google Books
TEXTO: (Revisão, referências citadas)
COSTA Paulo Pedro P. R. GANDRA Ana Sartori. Vocabulário inter-étnico de uso ayahuasca. Conferência Mundial da Ayahuasca - AYA2016, Rio Branco, Brasil 17-22 Outubro de 2016. http://www.ayaconference.com/index.php/cienciass/?lang=pt-br acesso 22 de outubro de 2016
COSTA Paulo Pedro P. R. Anotações da Comunicação : Racionalidades Médicas e Terapêuticas Alternativas de LUZ, Madel T. no I Encontro Nacional de Antropologia Médica Ba - 1993
KLEINMAN, Arthur Concepts and a Model for the comparison of Medical Systems asCultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986
LAPLANTINE, F. Antropologia da Doença. SP, Martins Fontes, 1991
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia (1988). SP: Editora Brasiliense, 2007
LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. p.333 in: LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural dois. RJ: Tempo Brasileiro, 1993
LÉVI-STRAUSS, Claude. Pensamento Selvagem SP, Cia Ed Nacional, 1976
LÉVI-STRAUSS, Claude. Língüística e antropologia. in: Levi-Strauss, C. Antropologia estrutural. SP, Cosac Naify, 2008
LUZ, Madel T. Natural, Racional, Social ; Razão Médica e Racionalidade Científica Moderna, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1988
LYONS, Albert S.; PETRUCELLI, Joseph. História da medicina.. SP, Manole, 1997
MATOSO CAMARA Jr., J. Introdução à línguas indígenas brasileiras. RJ, Museu Nacional, 1965
OMS. Organização Mundial da Saúde. Estratégias de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Genebra: Organização Mundial da Saúde. 2002.
SALGADO, Ricardo Seiça. A Performance da Etnografia como Método da Antropologia ANTROPOlógicas 2015, nº 13 http://revistas.rcaap.pt/antropologicas/article/view/1640/5109 acesso 13/05/2016
SCOPEL, Daniel; DIAS-SCOPEL, Raquel Paiva; WIIK, Flávio Braune. Cosmologia e Intermedicalidade: o campo religioso e a autoatenção às enfermidades entre os índios Munduruku do Amazonas, Brasil.. Tempus Actas de Saúde Coletiva, [S.l.], v. 6, n. 1, mar. 2012. ISSN 19828829. Disponível em:
<http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1141/1046>. Acesso em: 16 abr. 2016.
ANEXO
Só para ter uma ideia da dimensão desta tarefa iniciamos a seleção de alguns vocábulos comuns à pratica da acupuntura e de alguns rituais de uso da ayahuasca já descritos na literatura (ver anexo) a saber :
Espírito (energia espiritual): 神 , shén 魂 hún 魄 pó 志 zhì意
Consciência: 意识 Yi shí (意識) / Sentir: Jué 觉, (覺) ;
Cérebro: 大腦 dà nǎo ;
Sono 睡觉 jué jiào ;
Sonho 梦 mèng
O que se pode antecipar diante da complexidade da tarefa, é confirmar o que me respondeu Madel Luz durante um congresso de antropologia médica na Bahia sobre as múltiplas possibilidades de interpretação do efeito da acupuntura, com diversas teorias antropológicas e/ou clínicas (endorfinas, reflexos do segmentos medulares ou dermátomos, teoria das comportas, etc.):
- “Assim como nos idiomas podemos ser bilíngües sem construir um novo idioma (tipo portunhol), correndo o risco de perder eficiência da comunicação, apenas podemos entender e lidar os sistemas etnomédicos preservando a identidade e coerência de cada um”
Quanto a natureza indefinida do aspecto religioso e clínico ou médico do uso da ayahuasca, observe-se que um entendimento ou integração dos aspecto religioso com o terapêutico, deverá ser construído em um novo paradigma ou modelo de produção científica como muitos autores já preconizaram. Entre as proposições mais coerentes e úteis ao entendimento dos sistemas religiosos-etnomédicos está a reconstrução da utilização da concepção de energia vital (abandonada com a descoberta da possibilidade de síntese de compostos orgânicos e descoberta dos microrganismos patogênicos) e ou reconhecimento de Deus e de Espírito, a construção de uma ciência não maerialista, inclusive como propõem psicanalistas jungnianos e psicólogos transpessoais.
Algumas anotações sobre os vocábulos selecionados
神
shén spirit, deity; divinity; infinite; numen; omniscience; clever;
espírito, divindade; infinito; nume; onisciência; (adj) inteligente;
精神, Jīngshén spirit 心神 , Xīnshén
mind
Natureza do Shen na medicina chinesa
O Shen é uma das substâncias vitais do corpo. É o tipo mais sutil e
não-material de Qi. A maioria dos autores traduz a palavra Shen como
"espírito"; Eu prefiro traduzir o Shen do Coração como
"Mente" e não como "Espírito".
Traduzo como "Espírito" o complexo de todos os cinco aspectos
mental-espirituais de um ser humano, ou seja: 魂 hún; 神
shén; 意 yi; 魄 pó; 志
zhì
"Shen" indica a atividade de pensamento, consciência, auto -
percepção, vida emocional, memória e vontade, todos os quais dependem do
coração. Eu traduzo isso como "mente" quando se refere ao Shen do
Coração.
"Shen" portanto indica também o complexo de todos os cinco aspectos
mentais e espirituais de um ser humano, ou seja, o próprio Shen, o Hun, o Po, o
Yi e o Zhi e é o que eu traduzo como "Espírito".
MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html
aces. nov.2016
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Quechua
Nuna - alma, espíritu Nunachay - intelectualizar, espiritualizar Yuyana - mente
nuna: (n) (1) The principle that everything is spirit. One of the major
organizing principles. (2) The spirit; the essential aspect of the individual.
Soul, an individual's (or object's or group's) inalterable essence, underlying
all levels of body, mind, and spirit.
See, saiwa, munay, chekak, yuya, ch'ulla, kallari, kawsay.
nuna illariy: (n) Soul awakening, or the first ray of dawn of the soul; a term
used to describe shamanic journey, a conscious out-of-body experience along a
ray of light or straight path; the flight of the soul along a ray of dawning.
http://www.incaglossary.org/nextra.html
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Mbaé - espírito variedade: auassay, guajupiá,
tupixuara
-> Tucano (Dahceié) Héripona - coração, alma, consciência *
* p/ SILVA, Acionilio, (A civilização indígena do Uapés Livraria Salesiano,
1977) Alma: héri-porã no Uapés: héri-põna e também bahusé - sombra coisa que
aparece wãx-ti - incorpóreo dos defuntos
-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma
1412. estes nós dormimos, deitamo-nos, estes nós sonhamos. 1413. estes nós
sonhamos, muito longe nós passeamos, estes nós sonhamos 1414. estes nós
sonhamos, dormimos deitados, estes nós sonhamos dormimos deitados, sonhamos,
nossa alma muito longe passeia, nossa alma. 1415. nossa alma, nos dormimos
deitados, nossa alma nosso corpo nos largou, sahiu. 1416. nossa alma, nos
dormimos deitados, nossa alma passeia, anda. 1417. nossa alma passeia, nossas
gentes morreram, nos suas almas com (em sua casa) passeamos.
1412. na nó namairã, nwwa txai nó nimiç'kiaki, na nõ narnairã. 1413. na nó
namáimiç'dã, uxaraka,na nó namamiç'dã. 1414. õxaraka, namairã, nuku iôxinoé
mawa nãta nímiç'kiaki nuku iôxínã. 1415. nuku iôxínã, nu ôxa, daka, nuku iôxí
nuku, iura, nuku pax' - kabãini, 1416. nuku iôxi, nõ oxa dakakõe; nuku iuxinã
bai, nimiç'kiaki. 1417. nuku iôxi bairã, nuku nabô mawayama, nu ratõ iôxí ki
bai-(? ) miç'kiaki .
ABREU, Capistrano. Rã-txa hu-ni-ku-i. Gramática, textos e vocabulário
caxinauás. RJ: Sociedade Capistrano de Abreu, 1941
...........................................................................................
魂
hún
fetch
busca
cloud soul
alma etérea – (Maciocia)
p/ Robert Henry Mathews (1877–1970)
(missionário, sinólogo): Inteligência, faculdade espirituais (clareza)
_______________
Quéchua
P’iqënã – inteligência
Yuiana – imaginacion
Jamút’ay - entendimiento
* P'eqaña (Cochabamba)
Apamuy, apaimuy - to fetch, buscar
(Cochabamba, Cozco)
* Diccionário Quechua - Runasimi.org
http://www.runasimi.org
-> Tupi (Língua Geral)
Ara, tecocu(gu)aba - entendimento
-> Tucano (Dahceié)
Tiomahcígue – inteligente
Tiocé – entender
-> Caxinauá (Hunikui)
Unã, unãnöpa – inteligente
Unãi, nîkai – entender
...........................................................................................
魄
pò
soul; spirit; vigor
alma; espírito; vigor
white - soul alma - branca
Segundo Maciocia:
Os "cinco espíritos", em chinês, chamados de "Cinco Shen" [五神],
são os 神 Shen, 魂 Hun, 魄
Po, 意 Yi e 志 Zhi que residem respectivamente
no Coração, Fígado, Pulmões, Baço e Rins.
MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html
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__________
Quéchua
Nuna - alma, espíritu Kallpasapa - vigoroso Kallpáchay – vigorizar
Apu - espíritu o divinidad superior *
* Imbabura, Cochabamba, Ayacucho Diccionário Quechua - Runasimi.org
http://www.runasimi.org/
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Mbaé – espírito Anga – alma; (separada) angüera
Ata, atangatu, pyatã - vigoroso
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ?
-> Caxinauá (Hunikui) iôxi - alma
...........................................................................................
志
zhì
ideal, manter em mente; marca; registros; vontade ideal; keep in mind; mark;
records; will
Apesar de outros ideogramas designarem memória a exemplo de jì yì 记忆 (記憶
/ memoria; recordar, fotografia) a mémoria descrita nos antigos textos
correponde ao zhi 志 associado ou presente no meridiano dos rins.
Segundo Maciocia:
“A memória tem dois significados diferentes. A memória explícita consiste em
lembrar fatos e eventos passados. Isso depende do Shen e, portanto, do Coração,
embora também no Baço (Yi) e nos Rins (Zhi). A memória implícita consiste na
memória muscular, ou seja, lembrando como andar de bicicleta, dançar ou
tricotar, etc.”
Memory has two different meanings. Explicit memory consists in remembering
facts and past events. This depends on the Shen and therefore the Heart,
although also on the Spleen (Yi) and Kidneys (Zhi). Implicit memory consists in
muscle memory, i.e. remembering how to ride a bicycle, to dance or to knit,
etc.
Materia / energia
Uma concepção de metabolismo - Fang Yhizi (1611-1617) sábio da dinastia Qing em
sua enciclopédia cientifica afirmava que a forma interior (exterior) dos seres
não muda apesar de sofrerem profundas transformações na sua substancia (zhi). A
matéria segundo ele apesar de aparentar ser inerte é na realidade um turbilhão
de forças no mundo onde só existe o qi (matéria/ energia). (Gernet)
MACIOCIA, G. Shen and hun: psyche, in, chinese medicine. http://maciociaonline.blogspot.com.br/2012/11/shen-and-hun-psyche-in-chinese-medicine.html
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GERNET, Jean. O mundo chinês. (2V). V 2; p.46. Rio de Janeiro, Lisboa: Cosmos,
1974
...........................................................................................
意
识, (意識)Yi shí consciousness, awareness, conscious, realization, notice; have
knowledge, be conscious of, be aware of, understand, grasp, awake, realize,
comprehend
consciência, consciência, consciente, realização, aviso prévio; ter
conhecimento, estar consciente, estar ciente, compreender, entender, acordado,
perceber, compreender
昏厥 hūn jué faint, asphyxia, syncope; desmaio, asfixia,
síncope;
暈倒 yūn dǎo faint, fainting fit fraqueza, desmaio
_________________
Quéchua vocábulo não disponível ?
Rijsiy – conocer Yáchay – conocimento Rijch’ áriy, rich’ áriy – despertar
Unánchay – entender Yuyáriy – acordar-se (recordar)
Sunqöchínkay, sunköp’itiy, yuyap’itiy - desmayo
outras fontes *
Ch'uyasunqu (s.). Corazón de conciencia limpia
Pesuisada em todos los dialectos Conciencia s. (Cozco, ) allin yuyay
(Cochabamba) ch'uwasonqo corazón de conciencia limpia (Cochabamba) ch'uyasonqo
corazón de conciencia limpia chuwasunqu corazón de conciencia limpia chuyasunqu
corazón de conciencia limpia (Cochabamba, Cozco, ) nuna
* Diccionario Quechua - Aymara al español http://www.katari.org/diccionario/diccionario.php
Diccionário Quechua - Runasimi.org
http://www.runasimi.org/
Línguas indígenas
-> Tupi (Língua Geral) vocábulo não disponível ? Cu(gu)aba, ecocu(g)uaba(s)
– conhecimento Paca – despertar (intransitivo) sair do sono, acordar Mombaca –
despertar (transitivo) tirar do sono, estimular
Mano, manoaíba, eõara (s) Xe - desmaiar Moessapytumbyca – fazer desmaiar Eõ (t)
eôara - desmaio
-> Tucano (Dahceié) vocábulo não disponível ? Mahcicé – conhecer Uacancé –
despertar-se
Beretián-uatiancé, dohque-siáqueacé - desmaiar
-> Caxinauá (Hunikui) vocábulo não disponível ?
Õiki taöai – conhecer Tôi – conceber Unêi – compreender Böç toei, böç’tõewãi –
acordar
Xinanöi – desmaiar
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腦 /大腦 dà nǎo brain, cerebrum
腦 Naozi
脑子 nǎo zi brains mind
Radical: "大" very large, lot, great man, important
头脑 tóu nǎo brain mind
头 tóu
caput; conk; head; knowledge-box; noddle; offal; twopenny
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Quechua
Ñutqö, ñusqön, ñujtun - cérebro Ñutqöjillikan - meninge Yuyana - mente
Cerebro, seso - Ñutqhun
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Uide - Meolo - Celebro * Pyá - mente Pyâ coração,
fígado (prefixo de varias palavras associadas à sentimento a ex: Pyâ catu rupi
- affabilidade, de boa mente / Pyâ meoán - malícia
* Ayrosa, P. 1938 - vocabulario lingua basilica
-> Tucano (Dahceié) Caí - miolo Uahcuncé - mente
-> Caxinauá (Hunikui) Mapô – cérebro
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觉, (覺)
jué jiào
Sleep; become aware; feel; wake
Dormir; acordar; conhecimento; sentir
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Quera - dormir Queraiba – dormira mal (agitado)
Monguera – fazer dormir Xe - sono Opessyia - estar com sono
-> Tucano (Dahceié) Canicé – dormir Uehá - sono
-> Caxinauá (Hunikui) Ôxa - dormir Xãtôa – dormente (parte do corpo)
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梦
mèng
dream, sonho
梦见, (夢見) mèng jiàn
vision; dream, see in a dream visão; sonho, ver no sonho
梦 (惡夢) é mèng incubus, nightmare
incubus, pesadelo
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Quechua
Puñuy – suenõ, dormir Musquy – sueño, dormir ? Músqöi, muskökuy – soñar, sonhar
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Possaussuba – sonho Possaussuba [esse] sonhar
-> Tucano (Dahceié) Sonhar – queencé Sonho - queenó
-> Caxinauá (Hunikui) Namái – sonhar
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記憶,
jì yì
memory; remember, photograph memória, recordação, fotografia
我记 - i remember
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Quechua
Sunqöjáp'iy, yuyay, p'iqëña - memória Umáyuj, yuyaisapa - memorioso
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Maenduassaba - memória Momamenduara - lembrar
-> Tucano (Dahceié) Mahcínomena nicé ou uahcuncé - memória Uahcuncé -
recordar
-> Caxinauá (Hunikui) Tapiç' kui – recordar
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颅 lú
/ 顱 lú crânio, skull
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Quechua
Ayauma, t'ujruru Calavera, caveira, skull
Línguas indígenas ameríndias
-> Tupi (Língua Geral) Acangüera - caveira (calvaria) Cabeça descarnada ou
esqueleto da cabeça
-> Tucano (Dahceié) Dihpoá-boa-uehticá - caveira
-> Caxinauá (Hunikui) Bötõkô xau – caveira